O pedido de renúncia da primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, surpreendeu o mundo, mas pode ser visto como um ato de “altíssimo nível de maturidade emocional”.  O comentário é de Livia Mandelli, Ph.D. em comportamento humano e professora convidada da Fundação Dom Cabral, segundo a qual não se deve julgar atitudes como essa, que são tomadas caso a caso. 

“Precisamos aprender a não julgar as escolhas de ninguém. Não cabe avaliarmos a causa da decisão da primeira-ministra, se foi por maturidade de gestão ou esgotamento físico e psicológico no trabalho. Cada mulher sabe de suas dores”, argumenta Livia Mandelli, em entrevista ao Seja Relevante.

Mulheres são mais sujeitas a ‘burnout’

renuncia Jacinda Ardern

A renúncia de Jacinda Ardern suscita também a discussão de quanto as mulheres, que costumam equilibrar várias tarefas além de sua vida profissional, estariam mais sujeitas ao burnout. “Quando um profissional do sexo masculino está esgotado, ele divulga que entrará em um ano sabático, e socialmente julgamos esta atitude sábia e oportuna. Estaríamos, então, discutindo um caso com maior criticismo porque estamos com uma mulher na berlinda?”, provoca Mandelli.

A professora cita o estudo Women in the Workplace 2021, desenvolvido pela McKinsey & Company, que mostra que os índices de burnout são muito maiores em mulheres do que em homens. O estudo mostra também que quanto maior o nível hierárquico, maiores os índices de esgotamento, stress crônico e exaustão. 

Já o Women at Work 2022: A Global Outlook Report, da Deloitte, ouviu 5 mil mulheres de dez países e apontou que o burnout para a maioria delas está em níveis alarmantes. Do total de entrevistadas, 53% apontaram um nível de estresse na ocasião maior do que um ano antes e quase metade relatou estar esgotada. Além disso, 43% das mulheres entrevistadas disseram que não encontraram espaço emocional para abordar o burnout no trabalho.

Leia também:

Liderança feminina pede mais demissão, mostra fenômeno “the great breakup”

Rede de apoio pode ajudar contra o esgotamento

“O exemplo de Jacinda nos alerta para uma realidade que exige posicionamento. Os casos de esgotamento não significam que tenhamos de evitar assumir posições de topo, mas sim que já está na hora da sociedade entender que os papéis que as mulheres exercem podem ser compartilhados com redes de apoio, sejam elas masculinas ou femininas. Isto pode evitar o esgotamento físico e mental das mulheres”, analisa a professora. 

Para Livia Mandelli, o caso Jacinda nos ensina que a mulher pode fazer suas escolhas e que deve se autoperceber para encontrar seus próprios limites. “Temos direito de escolher a vida que quisermos ter, e isso não tem a ver com competência, mas sim com autoconhecimento e escolha de vida, arcando com ônus e bônus da decisão. A atitude de Jacinda nos leva a entender que altos níveis de maturidade emocional são essenciais para a mulher tomar as rédeas de sua vida e construir um lindíssimo legado com consciência”, diz Mandelli.

Destaque no combate à Covid-19

Foto: AFP

Reconhecida como uma das maiores lideranças globais no combate à Covid-19, Jacinda Ardern ocupa o cargo de primeira-ministra desde 2017. Ela se tornou a chefe de governo mais jovem do mundo quando foi eleita aos 37 anos. Durante a pandemia, tornou-se uma figura-chave entre os políticos globais na crise sanitária, atraindo também muitas críticas e ataques pessoais de negacionistas da doença.

Embora exista muita especulação sobre os motivos que levaram ao pedido de renúncia, em entrevista coletiva, Jacinda Ardern alegou mais fatores pessoais do que políticos. Ela disse que refletiu durante as férias de verão se tinha energia para continuar no papel de primeira-ministra e concluiu que não. 
“Eu sou humana, os políticos são humanos. Damos tudo o que podemos pelo tempo que pudermos. E para mim, está na hora”, disse ela durante o anúncio de sua renúncia, em 19 de janeiro de 2023, conforme veiculado no site InfoMoney.