O fenômeno great resignation, cujas causas ainda não foram entendidas em muitas empresas, pode estar ligado à dificuldade de reintegração pós-pandemia. Foi o que sugeriu um veterano de guerra dos EUA. Em um paralelo, ele compara as técnicas de reintegração de soldados após destacamentos militares e defende que elas podem ser emuladas no ambiente corporativo.
Adria Horn é tenente-coronel da reserva do exército dos Estados Unidos e passou por cinco processos de reintegração social após retornar de incursões militares no Iraque, Afeganistão, Filipinas e Indonésia entre 2003 e 2010. Recentemente, ele escreveu para Aaron De Smet, um PhD norte-americano em psicologia social e organizacional que, junto com outros dois especialistas, escreveu o artigo da Mckinsey detalhando a pesquisa sobre o great resignation nos Estados Unidos após os primeiros 18 meses de pandemia.
Horn comparou os seus sentimentos depois de voltar dos destacamentos com o que os funcionários estão enfrentando nas empresas no retorno para os escritórios, ou mesmo sob uma nova dinâmica de trabalho remoto. “Claro que a experiência de trabalhar de casa ou em um escritório não é comparável à intensidade de servir em um combate, mas a reação emocional ao retornar do destacamento é paralela ao que muitos trabalhadores estão experimentando agora. O great resignation é, na verdade, uma resposta normal a uma situação que as pessoas nunca passaram. Eu experimentei esse sentimento após cada retorno”, escreveu.
Os funcionários estão confusos
Smet e Horn conversaram e gravaram um podcast sobre o assunto, onde o veterano de guerra contou que, toda vez que voltava dos destacamentos, se reunia com a sua unidade para receber um resumo obrigatório de retorno e reintegração. “Era feita uma apresentação em PowerPoint, durante uma hora, explicando que todos iriam sentir que as coisas estavam diferentes e isso incomodaria, mesmo sabendo que estávamos felizes por estar de volta”, disse. As dicas envolviam a rotina familiar, que certamente não seria a mesma de antes, assim como costumes da sociedade.
Smet contextualizou que muitos trabalhadores se sentiram como os soldados destacados, ao serem redistribuídos durante a pandemia. “Muitos foram enviados para casa ou para atuar na linha de frente na saúde e, mais recentemente, foram destacados novamente, tendo de retornar para escritórios ou outras dinâmicas. Ocorre que, diferente dos militares, essas empresas não tinham esse tipo de experiência”.
Horn acrescentou que esse retorno é difícil, principalmente por conta das altas expectativas, pois geralmente espera-se que tudo ocorra otimamente quando se retorna de um ambiente perigoso, como a pandemia ou uma guerra. “Mas o sentimento que prevalece não é o de que as coisas estão ótimas, mas sim de que elas estão diferentes. As crianças estão diferentes, o seu restaurante favorito fechou, o seu animal de estimação morreu e até o sofá que você conhecia foi trocado. Isso faz parecer que perdemos o controle e torna a experiência de retorno algo nada bom”, disse.
Em relação à pandemia, a oficial norte-americana avalia ser difícil ainda ser autoconsciente o suficiente para entender todo o impacto das mudanças que ela causou. Como benchmarking, ele lembra dos seus cinco destacamentos no exército e diz que conseguiu reintegrar-se socialmente melhor a cada nova experiência. “Tive o benefício da prática. Mas a pandemia foi algo único e a maioria das pessoas não recebeu um briefing de suas lideranças sobre o que esperar”, avaliou Horn.
Smet, por sua vez, acrescentou que os padrões, as rotinas, as “tribos” foram quebradas durante a pandemia, fazendo com que o senso de comunidade e pertencimento no trabalho fosse interrompido em muitos casos durante a pandemia. “Isso dá a sensação de que você foi deixado para trás de alguma forma, e isso é difícil de processar emocionalmente”.
Atualmente, Horn tem uma empresa local de telecomunicações em Portland, no estado de Oregon, e passou pela pandemia sob a prisma de um líder empresarial. “Em 2020 eu me reuni com a nossa equipe de liderança e disse que uma grande coisa aconteceria, pois isso é comum depois que o ápice das mudanças implantadas passa. Afinal, durante esse momento as pessoas gastam dinheiro de maneira maluca, casam-se, divorciam-se, tomam decisões precipitadas…”. “Eu não estou falando isso sob um método científico, mas sim como um observador com a experiência de passar por esse processo cinco vezes, sentido os altos e baixos depois de retornar”, disse.
Em última análise, Horn avaliou que as pessoas se sentem “enjauladas” e precisam se libertar. Em outras palavras, os laços emocionais que podem ter unido pessoas durante a vida de trabalho, foi reduzido na pandemia e agora as pessoas vão buscar outras oportunidades de reatá-los, causando os grandes volumes de demissões.
A conversa de Horn e Smet pode ser lida com mais detalhes em uma reportagem da revista Mckinsey Quarter. Smet, contudo, preparou outro conteúdo com 4 dicas para evitar o que estão chamando de great attrition (grande atrito, em português) – que é de onde decorre o great resignation. Acompanhe:
Entender o esgotamento
Após muitos meses tumultuados com a pandemia, os funcionários estão lutando contra a dor, a perda e o esgotamento. Os desafios e déficits de bem-estar aumentaram e a própria natureza da pandemia prejudicou alguns mecanismos de suporte e enfrentamento social no trabalho .
Líderes compassivos, mais inclinados a fornecer apoio social e emocional no trabalho, notadamente as mulheres, têm desempenhado um “dever triplo”: impulsionar o desempenho no trabalho, apoiar as necessidades socioemocionais e relacionais dos colegas e preencher as funções de cuidador em casa. À medida que o esgotamento cobra seu preço e as pessoas saem, o trabalho geralmente muda para aqueles que permanecem, gerando ainda mais esgotamento.
As mulheres foram particularmente afetadas: 42% relatam que estão frequentemente ou quase sempre esgotadas, em comparação com 35% dos homens.
Os empregadores devem criar vários caminhos que enfrentam esses desafios de frente para reter seus funcionários. Por exemplo, uma empresa global de roupas esportivas fechou sua sede por uma semana para dar um descanso a todos, enviando uma mensagem importante para os funcionários atuais e futuros.
Dobrar a saúde organizacional
Instituições que podem sustentar alto desempenho ao longo do tempo tendem a exibir uma vitalidade e durabilidade que chamamos de saúde organizacional. As organizações mais saudáveis vão além da solução de problemas para atingir um nível máximo de funcionamento mais parecido com a prosperidade. Da mesma forma, as organizações podem ir além de aliviar o esgotamento para criar uma experiência de funcionário que ajude cada indivíduo a ter sucesso. Isso pode transformar um passivo em um ativo – desde a perda de talentos até a atração de talentos.
É hora de os empregadores serem ousados, recompensando e promovendo líderes que geram resultados de desempenho visíveis e também desenvolvem capacidades, aprimoram a saúde organizacional, criam segurança psicológica e ajudam a energizar a organização.
Construir habilidades
O talento mais fácil de encontrar é o talento que a empresa já tem. Portanto, a resposta para obter os conjuntos de habilidades corretos está na redistribuição, requalificação e requalificação. Uma empresa de beleza, por exemplo, agiu rapidamente no início da pandemia para treinar funcionários da linha de frente em publicidade de mídia social e suporte remoto ao cliente, redistribuindo-os como influenciadores e consultores de beleza. A estratégia contribuiu para um crescimento de vendas de 120% ano a ano.
Investir no desenvolvimento dos funcionários, portanto, ajuda a construir capacidades que geram retornos financeiros, mas também mostra aos funcionários que seu desenvolvimento e progresso são importantes e essenciais para o futuro da empresa.
Reimaginar o banco de talentos
Contratar por habilidades e pensar além dos perfis tradicionais ou graus acadêmicos pode abrir novos grupos de talentos de alto desempenho. Isso pode ser simplesmente pessoas mais velhas, mais jovens ou menos formalmente educadas.