Em praticamente todas as sociedades, as mulheres são vistas como mais acolhedoras, generosas e compassivas do que os homens. Esse estereótipo, porém, pode estar delegando a mulheres em cargos de gerência uma sobrecarga emocional, visto que muitos de seus funcionários esperam ser tratados com todas essas deferências de filhos. A situação ganhou até nome: ‘momaging’, a junção das palavras em inglês ‘mãe’ e ‘gerenciamento’, algo que poderia ser traduzido como ‘mães-gerentes’.

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O problema é que, ao se sentirem mais responsáveis em relação à saúde mental e bem-estar de seus funcionários, as líderes mulheres estão submetidas a mais estresse do que os homens e seu caso merece mais atenção das empresas. Segundo artigo publicado no LinkedIn pela Think Eva, consultoria para  equidade de gênero, “a dificuldade das mulheres em estabelecer os limites na convivência ligou um sinal de alerta, principalmente porque seus impactos são sentidos na saúde mental das próprias líderes”.

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Esforços no ‘momaging’ não são reconhecidos pelas empresas

O artigo continua, afirmando que um novo dilema se apresenta com o ‘momaging’: mulheres acabam tendo uma grande responsabilidade afetiva na relação com os seus subordinados, sentindo-se inteira e individualmente tão responsáveis pela saúde mental de sua equipe quanto pelas entregas. Esse esforço, porém, segundo a Think Eva, não é devidamente reconhecido pelas empresas, pois muitas corporações não estão estruturadas para lidar com o bem-estar e a saúde mental dos funcionários em geral.

A Think Eva fez uma pesquisa sobre o ‘momaging’, questionando suas seguidoras no Instagram se elas já perceberam que, por vezes há uma expectativa de que, além de ser chefe, é preciso agir como mãe dos colaboradores. O resultado mostrou que 82% das entrevistadas afirmaram já ter vivido esse fenômeno.

Mulheres líderes enfrentam maiores níveis de estresse

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Segundo a pesquisa ‘Women in the Workplace 2022’, da McKinsey & Company, mulheres que lideram enfrentam maiores níveis de estresse e burnout. Elas também não estão hesitando em partir para empregos que, mesmo com menor remuneração, oferecem benefícios para sua saúde mental e bem-estar – o que pode ter impactos na desigualdade salarial de gênero.

Já o relatório ‘Esgotadas’, do Lab Think Olga de 2023, revelou que 45% das mulheres brasileiras possuem diagnóstico de transtorno mental, como depressão ou ansiedade, e que a sobrecarga no trabalho é o segundo fator que mais afeta sua saúde emocional, perdendo somente para a falta de dinheiro. Apenas 24% das pesquisadas afirmaram estarem satisfeitas com sua relação com o trabalho.

A pesquisa ‘Mental Health at Work: Managers and Money’, da UKG, mostrou que o trabalho afeta o bem-estar de 60% dos trabalhadores, e que, segundo eles, sua saúde mental é mais influenciada pelos gerentes do que pelos seus terapeutas.

O artigo da Think Eva afirma que uma abordagem mais empática e a maior proximidade nas relações entre liderança e liderados é positiva e traz ganhos mútuos. Mas, no ‘momaging’, a associação da figura de líder feminina às disponibilidades e benevolência da maternidade pode prejudicar o relacionamento profissional.

“Muitas vezes, o vínculo pessoal se sobrepõe ao profissional, reuniões de trabalho perdem o foco e tornam-se apenas conversas informais, comandos e limites perdem clareza. Por vezes, sem conseguir se posicionar diante do seu time sem que isso seja levado para o lado pessoal, a produtividade – e a saúde mental dessa líder – diminuem”, afirma o artigo da Think Eva.

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70% das empresas não têm um departamento para cuidar de saúde mental

Equipes com lideranças empáticas oferecem mais liberdade para que as pessoas sejam quem elas de fato são – em relação a sua orientação sexual e à neurodiversidade, por exemplo. Um vínculo forte e pessoal torna a equipe mais colaborativa e dedicada, permitindo que os indivíduos sejam plenamente acolhidos e respeitados, diz o artigo. O problema é quando, no ‘momaging’, empresas responsabilizam apenas líderes por esse trabalho: apesar de as organizações falarem cada vez mais em apoiar a saúde mental de seus funcionários, muitas ainda não oferecem benefícios ou política para fortalecer as iniciativas, o que sobrecarrega as gestoras.

E mesmo que a preocupação com o bem-estar seja prioridade para mais da metade das empresas brasileiras, a maioria não possui um departamento ou profissional dedicado à questão. O site da plataforma Guia da Alma, grupo que oferece às empresas iniciativas para o bem-estar no trabalho, publica resultado de pesquisa da startup Kenoby, que mostra  que em mais de 70% das empresas brasileiras não há um departamento dedicado à saúde mental, enquanto quase 70% delas apresentam índices de afastamento no trabalho por problemas emocionais.

Millennials e Geração Z buscam bem-estar nas empresas

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Ao discorrer sobre o ‘momaging’, o artigo da Think Eva diz que essa nova relação funcionário-empresa, com toques do cuidado da maternidade, foi em muitos aspectos impulsionada pela inserção dos Millennials (nascidos entre 1981 a 1996) e da Geração Z (nascidos a partir de 2000) no mundo do trabalho. Representando a maior parcela da população economicamente ativa hoje, essas gerações consideram o bem-estar como prioridade na hora de escolher uma empresa, contexto no qual as lideranças têm um papel determinante.

As soluções para evitar esse comportamento, de chefes que são mães de seus funcionários e funcionários que são filhos de sua gerente, estão baseadas na empresa ter uma estrutura sólida e comprometida com a saúde mental e bem-estar dos empregados, evitando sobrecargas e abusos. Isso mostra aos funcionários que toda a organização é uma rede de apoio disponível para ser acionada.

Mulheres também precisam ser cuidadas

Segundo a publicação sobre o ‘momaging’ da Think Eva, três situações precisam ficar claras nas relações de trabalho envolvendo lideranças femininas.

1 – Nenhuma líder consegue solucionar questões organizacionais sozinha, sem o compromisso da empresa com a inclusão.

2 – As lideranças são responsáveis por apoiar e encorajar seus funcionários a procurar ajuda, mas não podem se tornar suas terapeutas ou serem sobrecarregadas com mais essa função e expectativa.

3 – As lideranças mulheres também precisam ser cuidadas.