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Desenvolvimento de médias empresas
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Estratégia e governança
As mulheres estão avançando na liderança de pequenas e médias empresas no Brasil, por diversos motivos. Um deles é o fato de que o caminho para elas chegarem ao topo das organizações na iniciativa privada ou no setor público é cheio de obstáculos e desafios. Outro motivo é que a jornada como pequena ou média empresária permite maior flexibilidade para conciliar a carreira e a família.
Além disso, o chamado ‘empreendedorismo por necessidade’, ou seja, a falta de oportunidades profissionais que leva as mulheres a empreenderem, fala alto no Brasil, principalmente depois da Covid-19, que causou desemprego maior entre o público feminino – seja porque elas são maioria nos setores mais atingidos pela pandemia ou pelo fato de que tiveram que abandonar o trabalho para cuidar dos filhos fora da escola ou de familiares doentes.
Em artigo publicado na revista Exame, a diretora de Relações Institucionais e de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral (FDC), Marina Spínola, mergulha fundo nesse novo desenho da sociedade, apontando que as micro, pequenas e médias empresas podem ser uma maneira mais rápida para a ascensão profissional e social das mulheres de várias camadas sociais. Marina descreve também todas as dificuldades enfrentadas pelas mulheres, tanto no mercado de trabalho quanto como empreendedoras.
Estudos detectam tendência de mulheres no empreendedorismo
A percepção de Marina quanto à ascensão das mulheres como empresárias tem respaldo em diversos estudos sobre o tema. Dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) indicam tendência de aumento do número de mulheres donas de negócios no Brasil. Além disso, uma reportagem publicada na Exame aponta que o Brasil está entre os dez países com o maior número de mulheres empreendedoras, ocupando o sétimo lugar no mundo, segundo dados do Sebrae e da Pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM).
A Exame cita que, de acordo com pesquisa da Vhsys, empresa de tecnologia que desenvolve sistema de gestão empresarial para micro e pequenas empresas, realizada com 822 pessoas, 39,9% dos entrevistados disseram que atuam em companhias que têm mulheres como proprietárias.
Mas, para que o cenário das pequenas e médias empresas brasileiras lideradas por mulheres realmente seja promissor, Marina defende que é preciso endereçar pelo menos dois desafios, que são sustentados por questões estruturais da nossa sociedade. O primeiro deles é a divisão sexual do trabalho, que impõe à mulher uma sobrecarga desleal e pouco saudável. O segundo é a dificuldade de acesso a crédito, sustentada por vieses culturais (inconscientes, muitas vezes), que atribuem à mulher uma avaliação negativa como gestora e líder.
Desigualdade entre homens e mulheres
A desigualdade entre homens e mulheres nas atribuições domésticas é revelada, por exemplo, em pesquisa realizada pelo programa Sebrae Delas, que aponta uma jornada tripla da empreendedora brasileira, o que dificulta o êxito de seu negócio. Segundo o artigo, as mulheres chegam a dedicar à sua empresa até 17% menos horas do que os homens, pois, em casa, elas trabalham até 10 horas semanais a mais do que seus companheiros, com afazeres domésticos e cuidados com filhos.
As mulheres empreendedoras também têm mais dificuldade no acesso ao crédito, mesmo quando têm mais escolaridade que os homens e entregam resultados econômico-financeiro superiores. Segundo dados do Sebrae, as taxas de juros para empreendedoras são 3,5% mais altas, embora a inadimplência feminina seja menor – 3,7% entre as mulheres e 4,2%, entre os homens.
O artigo mostra ainda que o Mapa de Negócios de Impacto Socioambiental revela que apenas 25% das empresas fundadas por mulheres, ou com maioria feminina no quadro societário, conseguem captar investimentos – contra 55% das fundadas por homens ou com predominância masculina.
Ou seja, mesmo acumulando sobrecarga de trabalho e com menos acesso ao crédito, as mulheres seguem desbravando caminhos e movimentando a economia do país. Para que a jornada seja mais justa, no entanto, é preciso um esforço coletivo para reduzir as barreiras, diz Marina.
Iniciativas visam melhorar situação das mulheres empreendedoras
Algumas iniciativas têm surgido no cenário. Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que destina 25% dos recursos do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) para mulheres empreendedoras – sendo que uma parcela desse montante deverá ser destinada a empreendimentos liderados por mulheres negras, de baixa renda ou com deficiência.
Além disso, as escolas – da educação básica às escolas de gestão – podem cumprir um relevante papel na sociedade e passarem a tratar dessa temática com maior ênfase, diz Marina. “Afinal, essa é uma agenda que não interessa apenas às mulheres. O desenvolvimento econômico passa pela igualdade de gênero. E a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres contribui para maior eficiência econômica e para o desenvolvimento nacional”, diz Marina.
Dificuldades no mercado de trabalho
Além de um talento natural, são muitas as circunstâncias que levam as mulheres a liderar pequenas e médias empresas, devido às dificuldades do mercado de trabalho para elas. Chama a atenção o fato de o número de mulheres ministras ser no momento o maior na história da República brasileira. Quase 30% da alta liderança na Esplanada dos Ministérios é feminina, quando até o ano passado esse índice era de 12%.
Mas no outro lado da moeda, estudo feito pelo coletivo Elas no Orçamento identificou que a maioria das mulheres da Administração Pública Federal está concentrada nos cargos de assessoramento, e os espaços de tomada de decisão, com os maiores salários, são, majoritariamente, ocupados por homens.
Marina destaca que, infelizmente, essa é a realidade também na iniciativa privada. Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) revela que as mulheres representam apenas 29% da alta liderança da indústria.
Mulheres negras enfrentam mais barreiras
Para as mulheres negras, essa jornada pode ser ainda mais sacrificante. O racismo que estrutura a nossa sociedade está refletido também nas hierarquias organizacionais. Segundo a Associação de Promoção da Equidade Racial não há nenhuma grande empresa brasileira presidida por uma mulher negra. Dados divulgados pela consultoria Triwi indicam que uma em cada quatro empresas no Brasil não possui nenhuma mulher negra no seu quadro de funcionários.
Quase metade das organizações – 45% – possui apenas 10% do corpo de colaboradores formado por mulheres negras. Do total das empresas pesquisadas, 68% não possuem mulheres com deficiência no quadro de pessoal.