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Saiba como construir uma carreira em pente

Para Gustavo Donato, professor associado da FDC, os profissionais precisam buscar atividades com propósito e ampliar suas habilidades

gustavo donato Gustavo Donato (Foto: Divulgação)
por Redação março 28, 2024
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Em um passado não tão distante, era comum que as pessoas estudassem, em média, por 25 anos, trabalhassem outros 25 e, somente então, com a carreira consolidada e a chegada da aposentadoria, começassem a pensar em seu bem-estar e lazer. Mas, seja em função das dinâmicas de progressão das carreiras, seja pelas mudanças na expectativa de vida ou, ainda, pela nova realidade do mercado de trabalho, esse conceito mudou.

“As pessoas pensavam em ‘se sacrificar’ por 50 anos e aproveitar o tempo restante. Mas, hoje, percebemos uma grande mudança de comportamento. Primeiro, porque as carreiras não são tão lineares, e, segundo, porque para muitos profissionais, hoje, o trabalho não representa mais um fardo, uma coisa difícil”, disse Gustavo Donato, professor associado da Fundação Dom Cabral, em entrevista ao Seja Relevante. 

Segundo ele, o modelo mais atual de estruturação de carreira, chamado de “carreira em pente”, mostra que é importante que os profissionais adquiram conhecimento em áreas estratégicas além de sua especialização inicial, o que permite expandir os horizontes e diversificar as atividades. 

“O mundo mudou e hoje as coisas acontecem em paralelo: eu trabalho sempre, eu estudo sempre, para permanecer um profissional relevante e interessante, mas sem perder o meu bem-estar”, afirmou o especialista, que apresentou a palestra “Tecnologia e Humanidades: uma Nova Equação”, durante o evento Conexão FDC, realizado em 25 de março. 

Confira, na entrevista a seguir, a visão de Donato sobre esse tema e como manter o equilíbrio em um mercado de trabalho em constante transformação. 

Dentro do conceito de carreira pente, o que é movimento anticarreira e o que ele tem a ver com o propósito individual?

Temos observado que muitas pessoas estão aderindo a um movimento curioso, que tem sido chamado de ‘anticarreira’. E o que isso quer dizer? Trata-se de profissionais que buscam conciliar a vida pessoal e profissional, preferindo exercer atividades que tenham propósito e significado, dentro de seus contextos pessoais e sociais.

Em outras palavras, não é que a necessidade de trabalho deixe de existir – a diferença é que esses profissionais tendem a escolher seus cargos e conduzir suas carreiras de forma que consigam conciliar a vida pessoal e trabalhar o necessário, sem longas jornadas de trabalho exaustivas e sem propósito. Eles desejam significado em suas atividades, querem ter “brilho no olho”, e não apenas executar obrigações para cumprirem metas.

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E é este o conceito da carreira pente, a pessoa consegue desenvolver competências complementares e permanecer no mercado de trabalho por mais tempo, diversificando as atividades profissionais, ampliando horizontes para enxergar outras possibilidades, como negócios próprios ou projetos pessoais, e alinhando o trabalho com o propósito de vida pessoal.

Poderia explicar melhor essa lógica da carreira em pente?

© – Shutterstock

As pessoas tendem a desenhar sua carreira profissional, desenvolvendo habilidades e buscando capacitações para conseguirem chegar a determinados cargos. Mas, será que é isso mesmo que elas querem, que vai proporcionar felicidade e realização?

Hoje, percebemos que as pessoas pensam em uma pluralidade de opções, no caso do planejamento de carreira. A geração Z, por exemplo, deverá desenvolver de quatro a seis carreiras, enquanto a Alfa poderá ter habilidades acima de seis profissões. Isso ocorre porque, hoje, não faz mais sentido planejar uma carreira em formato de “U” invertido, desenvolvendo apenas habilidades técnicas e de gestão, por exemplo. A economia está mudando, os mercados se transformando e as profissões seguem a mesma lógica. Em termos bem simples, seriam os “Planos B ou C” das pessoas, desenhados de acordo com aquilo que elas conseguem entregar de valor pessoal e o que as energiza, que gera propósito. 

Como um profissional que já está no mercado de trabalho, hoje, pode estruturar sua carreira dentro desse contexto?

Em uma economia em franca transformação, as novas soluções e demandas são totalmente originais. Assim, um profissional não pode acreditar que uma única graduação irá fornecer todo o conhecimento necessário. Isso já foi a realidade de décadas atrás, mas, hoje, a atualização e a capacidade de adaptação são determinantes para a carreira.

É preciso ter uma formação sólida, a depender da carreira, com mestrado ou doutorado. Mas isso não garante o sucesso, a adaptabilidade faz toda a diferença. O profissional precisa conseguir olhar de maneira ampla, eclética, para o mundo. Com bons valores e boa formação, é possível ter entendimento de diversos temas, mesmo os mais complexos. E, quando for necessário se aprofundar em algum tema, uma boa formação de base permitirá isso.

Como desenvolver essas novas inteligências, mantendo a mentalidade aberta?

Então, ao invés de pensar em estruturar uma carreira, os profissionais deveriam pensar em um mapa (ou mosaico) de competências. É possível construir isso, a depender de características e propósitos pessoais. Isso permite que o profissional entregue valor e impacto para a organização para a qual trabalha, de forma longeva.

Assim, não faz mais sentido falar em uma educação ‘pasteurizada’, igual para todos. Por exemplo, um curso de graduação tem estrutura curricular igual para todos os alunos. Mas, nos projetos integradores, nas atividades extensionistas, nas pesquisas, o aluno tem que ser o autor de sua história, o protagonista. Cada profissional pode ser um curador de projetos de vida e de impacto profissional e pessoal. Os profissionais precisam refletir sobre qual a sua visão de futuro e o que fazer para chegar lá. 

Por exemplo, quando você leu seu último livro de filosofia, de antropologia, ou mesmo que química? Se já faz algum tempo, cuidado, pode ser que você não esteja preparado para navegar nessa multidisciplinaridade que caracteriza o mundo de hoje e, por consequência, a carreira em pente.

Falando sobre a responsabilidade de cada um, a necessidade de aprendizado contínuo, como um profissional consegue se preparar para todos os desafios e, ainda assim, manter seu bem-estar? 

© – Shutterstock

Penso que a vida deixou de ser sequencial, seguindo um ritmo como “eu estudo 25 anos, trabalho outros 25 anos e então me aposento” – e somente então a pessoa pensava em curtir a vida e ter o seu bem-estar. Ou seja, arredondando, a ideia das pessoas, em um passado ainda recente, era de se sacrificar por 50 anos, para aproveitar os demais 50. 

Porém, este conceito mudou, não apenas pela expectativa de longevidade, mas, também, pelas perspectivas profissionais. O mundo se transformou e hoje as coisas acontecem em paralelo: eu trabalho sempre, eu estudo sempre, para permanecer um profissional relevante e interessante, mas sem perder o meu bem-estar. 

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E qual é a equação disso? Equilíbrio entre os três aspectos (trabalho, estudo e vida pessoal) e progressividade na implementação. Em outras palavras, não adianta ficar cinco anos sem estudar nada e acreditar que em poucos meses a recapacitação (e atualização) é possível. 

Mas, todo processo contínuo (lifelong learning), ao longo dos 365 dias do ano, traz resultados. São pequenas ações, como ler um livro, acompanhar uma boa fonte de informações e fazer cursos eventualmente. Eu, a cada quatro meses, faço um curso. Tento me policiar e disciplinar para ter essa formação contínua, de forma progressiva e de modo que não ocupe todo o meu tempo. Isso é muito importante para o equilíbrio. 

É trabalho, sim, e temos de nos empenhar. Isso exige dedicação e renúncias, mas é muito mais satisfatório do que trabalhar em algo que você não gosta ou não acredita. 

E quando o trabalho não proporciona o brilho nos olhos?

Eu, como muitos outros profissionais, já enfrentei momentos de carreira assim, quando o trabalho não traz satisfação pessoal. Quando nos damos conta disso, esse deve ser um momento de reflexão, de avaliação sobre quais são os caminhos para o amadurecimento da carreira.

Quando o profissional encontra sinergia entre o trabalho e o estudo, o bem-estar já está presente. As coisas acabam se confundindo. Por exemplo, se em um fim de semana estou lendo um livro que me proporciona insights para a carreira, estou trabalhando ou em um momento de bem-estar, já que se trata de uma leitura que gosto? Mesmo a leitura, como lazer, pode me ajudar a desenvolver o lado profissional e pessoal.

Como curiosidade, vou citar um exemplo. A disciplina “happiness” (felicidade) é uma das mais buscadas em Harvard. Existe um livro sobre o tema e o próprio autor afirma nunca ter imaginado que, em uma das universidades mais prestigiadas do mundo, ele iria encontrar o maior número de pessoas infelizes que já havia visto.

Segundo esse autor, não é a felicidade que resulta do sucesso, mas, sim, o sucesso é decorrente de um estado de felicidade. 

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É preciso que cada pessoa reflita sobre como equilibrar a vida pessoal e profissional, pensando em capacitação contínua, buscando aprendizado, mas também reservando espaço para a vida pessoal e bem-estar. É uma equação complexa, que exige renúncias, mas é preciso equalizar isso, uma vez que teremos de conviver com essa realidade pela vida inteira.

E como equalizar isso e ainda nos prepararmos para o futuro?

Foto: Divulgação

Eu acredito que vivemos, no Brasil, um imediatismo. Chamo de patologia do “curto-prazismo”. Olhamos para o curto prazo, tanto como pessoas quanto como profissionais. E, com isso, esquecemos de olhar para o futuro. Embora o que esteja acontecendo hoje seja importante, não podemos deixar de enxergar o horizonte. Em uma organização existem metas e estratégias, além de conselhos que cuidam da visão, missão e crescimento de longo prazo da empresa. Eles desenham futuros. Mas, e em nossas carreiras? Deveríamos seguir essas ferramentas para desenhos de futuro, com cenários (possíveis, plausíveis, desejáveis). Como atingi-las? Quais competências são necessárias? Em uma empresa, o plano de ação parece ser algo natural, mas e na carreira individual de cada profissional? A mesma lógica deveria ser seguida.

Para as empresas, se não houver essa visão de futuro e de planejamento, a perspectiva é de que sejam engolidas. Mas e para os profissionais? Os indivíduos precisam pagar suas contas, cuidar da família, do trabalho, do relacionamento…  E onde está a visão de futuro? Onde esse profissional deseja estar daqui a 5, 10 ou 15 anos?

Então, é preciso entender que temos de trabalhar o hoje, mas sem perder a perspectiva. É preciso estudar agora o que vai viabilizar novas possibilidades no futuro – e isso faz parte do conceito da carreira em pente. Isso é fundamental para promover a longevidade corporativa, é o que chamamos de governança. Em nossa vida pessoal, somos gestores dessa própria governança.

Quando fazemos uma mentoria, um curso, queremos que a pessoa se torne relevante não somente hoje, mas ao longo de toda a sua carreira. Por isso, é importante que os profissionais entendam que não é uma agenda de cursos que proporciona isso, mas, sim, sua mudança de mentalidade.




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