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Felicidade corporativa precisa ser encampada pela liderança

Vinicius Kitahara, da Vinning, conta como corporações estão aplicando o conceito de felicidade corporativa na prática

Vinicius Kitahara Vinicius Kitahara
por Redação dezembro 5, 2022

Essa é a avaliação de Vinicius Kitahara, fundador da Vinning – Consultoria de Felicidade Corporativa e professor de curso sobre o tema na FDC. Nesta entrevista, ele fala como gigantes corporativas como a Deloitte, Suzano e o Google estão aplicando o conceito na prática. Além disso, mostra resultados concretos como o aumento de engajamento do Banco BV, entre outras organizações. 

Acompanhe os principais trechos da entrevista. 

Você divulga muito a Ciência da Felicidade. No que ela está baseada?

© – Shutterstock

O Tal Ben-Shahar é um ex-professor do curso de psicologia positiva, de Harvard, que levanta muito essa bandeira. Também somos muito pautados pela pesquisa mais longa sobre felicidade, coordenada atualmente pelo professor Robert Waldinger, que conta com um estudo contínuo há 86 anos. Eles identificaram que o fator que mais contribui para a nossa felicidade de longo prazo são os bons relacionamentos. Então, nossa base é trazer o resultado de pesquisas feitas pelas universidades no dia a dia das empresas. Outras pesquisas apontam que o erro do mundo corporativo é focar primeiro em sucesso e depois em felicidade. Na verdade, é o inverso: se você investir em felicidade, terá mais sucesso, porque terá mais energia, gerando maior engajamento e assim por diante. E há outras referências como a Laurie Santos, da Universidade de Yale, professora do curso de Felicidade, que é o mais assistido de toda a universidade nos 300 anos da instituição. Universidades como Berkeley, Stanford e outras também pesquisam o tema.

E qual é o seu papel como consultor de Felicidade Corporativa?

Meu papel é estudar pesquisas já aprovadas e levar para o mundo corporativo colocar isso na prática. Uma coisa é a teoria, que é a parte fácil do processo, mas o difícil é implementar. Uma consultoria de Felicidade tem o objetivo de fazer uma transformação cultural dentro das empresas, uma atualização da forma que se liderava antes da pandemia. Não dá para liderar da mesma maneira. Havia uma liderança com uma visão só de corte de custos e eficiência, não focava tanto em pessoas. Uma liderança no pós-pandemia é muito mais humanizada e inspiradora. Para que isso aconteça, a gente precisa conhecer sobre seres humanos, sobre emoções, sobre motivação e, é claro, sobre felicidade. E o meu trabalho tem uma metodologia baseada em três etapas: Sensibilização, Formação e Multiplicação.

Como é cada etapa dessas?

Sensibilização é a introdução da pauta. Eu vou fazer palestras e sessões individuais com a alta liderança para que ela compre essa ideia e implemente o programa. Por isso, os líderes precisam ter repertório. Por exemplo, na Suzano, eu tive várias sessões individuais com a diretoria executiva para que eles tirassem as suas dúvidas. Esta é a primeira fase, com sessões individuais, reuniões estratégicas e palestras de sensibilização dos colaboradores.

© – Shutterstock

A etapa 2, da Formação, é quando capacitamos as pessoas. Há várias pessoas interessadas sobre o tema e vamos dar conhecimento. São cursos, oficinas de felicidade, que têm um prazo maior. Geralmente, a Sensibilização são ações pontuais, mas a Formação é toda semana, com sessões de uma hora, durante dois meses. A pessoa interessada vai praticar, vai conectar o grupo. Ela vai ter o conhecimento de teoria e também conhecimento prático.

A terceira e última é a Multiplicação, que consiste em formar embaixadores multiplicadores desse movimento, de forma que eles possam traduzir isso para suas equipes. A ideia é que ela crie rotinas e hábitos para aplicar no time e na empresa.

Como é a resistência para o conceito de felicidade corporativa? 

No passado, antes da pandemia, existia uma resistência. Hoje em dia existe um interesse muito maior, então eu não vejo tanta resistência. O que eu vejo são pessoas curiosas para entender se isso é sério. Quando elas veem casos reais de empresas sérias, que estão contando o que foi feito, a gente quebra muito do preconceito ou de qualquer resistência, porque a dor existe e quando a gente traz uma nova forma de atacar este problema, você vê que a repercussão e o engajamento das pessoas têm sido muito altos. Isso é um ponto importante na nossa consultoria. Trazemos o tema de uma maneira que não fica muito distante do dia a dia de quem trabalha lá. Esse talvez tenha sido o erro do passado, quando se abordava esse tema. A forma de abordar e de aplicar o conceito é um grande diferencial na nossa consultoria.

E quando você pega o que fizemos no Google, na Suzano, na Deloitte e no Banco Votorantim, você tem casos que podem ser replicados em outros lugares. E só funciona se a alta liderança acredita nisso, então não é um processo de convencimento, mas um processo de encontrar as lideranças que já acreditam nisso e que querem implementar esses programas, como foi o caso das empresas citadas.

Além da alta liderança, que áreas nas corporações são mais visadas para aplicar a etapa da Multiplicação?

Este é um trabalho de liderança. Então, a Suzano tem o CFO, diretor comercial, diretora de RH, times da operação e tantos outros  fazendo o projeto; na Deloitte, tem auditores fazendo; no Google, é uma diretoria de vendas que colocou isso na prática. As pessoas até pensam que é uma pauta do RH, mas na prática a gente vê que é uma pauta de liderança. Claro que têm algumas pessoas do RH, têm algumas pessoas da área de saúde, segurança e qualidade de vida e têm pessoas da área de diversidade e inclusão. Geralmente, quando as pessoas nos procuram, são dessas áreas, que têm um interesse maior, mas na prática trata-se de uma decisão de liderança. É preciso entender de pessoas e aí eu acho que é legal falar que uma frase que nos norteia: “Cem por cento dos clientes são pessoas. Cem por cento dos colaboradores são pessoas. Quem não entende de pessoas, não entende de negócios”.

Uma outra coisa que sempre falamos é que as pessoas entram em um novo trabalho pelas empresas e, geralmente, saem pelos líderes. A experiência corporativa tem muito a ver com as 30 pessoas que você mais convive no trabalho. Então a pauta Felicidade Corporativa é sobre pessoas e, principalmente, as 30 pessoas que você mais convive.

© – Shutterstock

Uma descoberta que a gente teve no projeto do Google é que as pessoas precisam ser muito mais intencionais com esta pauta. Noventa e nove por cento das pessoas têm vontade de estar em um ambiente mais feliz, mas será que eu coloco isso na agenda? Será que eu encaixo isso dentro da pauta? Qual é a reunião que eu tenho para esse tipo de coisa? E a gente percebeu que as pessoas não tinham reuniões para discutir isso. Nossa consultoria conseguiu fazer com que a alta liderança colocasse o tema em pauta, para ser debatido do mesmo jeito que se fala de metas.

Um grande divisor de águas foi a questão da pandemia, que trouxe várias mudanças, como trabalho mais flexível, escritório híbrido etc. Onde é que a Felicidade Corporativa está se encaixando nisso?

As novas realidades trazem expectativas e toda vez que elas não são atingidas, gera infelicidade e briga. Isso exige dos líderes e colaboradores conversas e debates mais profundos. A Felicidade Corporativa é muito pautada em bons relacionamentos, de qualidade e confiança, segundo a pesquisa do professor Robert Waldinger.  Então, se você investir em aumentar a qualidade das relações e ter mais níveis de confiança, facilita em momentos que você tem discussões difíceis.

Hoje em dia, a gente tem discussões muito difíceis. Se vai ser 100% home office ou presencial, se a semana de trabalho vai ser de quatro dias ou cinco, se tem bônus ou não. Então, a certeza do mundo corporativo é que você vai ter discussões difíceis, com temas complexos e com recursos escassos. E aí você tem duas opções:  debater isso num time em que você não tem relações de qualidade e confiança ou debater com um time que você tem relações de qualidade e confiança.

Tem um caminho para geração desse relacionamento de qualidade e confiança?

Com certeza. O caminho que a gente entende no curtíssimo prazo é ter isso na estratégia das empresas. Se não está na agenda, não tem resultado. Se não tem reunião para debater sobre isso, não vai cair do céu. É importante colocar que é um trabalho de longo prazo e que demora para ter o resultado. E as empresas estão muito acostumadas a ter resultado de curtíssimo prazo, em um mês ou um trimestre, mas até mesmo essa cultura que exige recordes trimestrais deixou muita gente esgotada.

Por isso que eu falo que este é um trabalho de liderança, porque num trabalho de médio/longo prazo, você tem que ter alguém que acredita nisso, alguém que invista nisso. As empresas pedem muitos números, mas antes de ter o número, você tem que ter um programa que está rolando por dois, três ou até 10 anos, porque é uma semente que você planta para colher no futuro. Então, estamos bem no início dessa revolução, que vai acontecer, mas as empresas terão que decidir se querem fazer parte da nova geração, que vai atrair os talentos e ter performance, ou lidar com o turnover.

A Felicidade Corporativa pode contribuir para uma reversão do turnover? 

Com certeza as pessoas saem das empresas porque elas estão infelizes ou insatisfeitas. Dificilmente alguém sai de uma empresa quando está muito feliz e muito motivado. Trazer esse debate (Felicidade Corporativa) para a empresa vai ajudar na retenção, vai ajudar no engajamento, vai ajudar nas relações de qualidade e confiança. Mas ele não é um trabalho isolado. Ele é um trabalho de construção e de conscientização das pessoas. 

Outra questão é o perfil onde podem ser aplicados os conceitos da Felicidade Corporativa. Eles estão limitados a grandes corporações ou pode ter uma aplicação mais ampla?

Mais ampla, com certeza. Já fizemos programas no Gympass e no QuintoAndar, que são startups. A gente até trouxe um case, dentro do curso de Felicidade Corporativa, que é uma empresa de 10 colaboradores, uma incorporadora de Santo André chamada AM Fernandes. Eles  já tem um programa de felicidade há alguns anos.

É possível metrificar os resultados que os projetos de Felicidade Corporativa trouxeram?

© – Shutterstock

Sim. Um exemplo é o Banco Votorantim, que divulgou um aumento no nível de engajamento de seus profissionais, de 68% para quase 90%. Claro que o Banco Votorantim tem vários programas, mas essa já é uma métrica. A Deloitte teve um impacto no RH, sendo que esse departamento no Brasil apresentou a maior satisfação interna entre as bases globais da empresa. 

Mas eu, como consultor, diria que há dois dados extremamente importantes. Perguntamos para todas as empresas em que prestamos consultoria sobre quantas pessoas cada um dos envolvidos tem uma relação de qualidade e confiança no trabalho. E a resposta média era de 2 a 3 pessoas. Essa é uma boa métrica para se trabalhar, já que Harvard provou que são os bons relacionamentos que trazem felicidade.

A segunda métrica extremamente importante são quantas pessoas da alta liderança são embaixadores do movimento de bem-estar corporativo. Na maioria, pode ser zero, talvez um  ou dois. A quantidade de pessoas da liderança, que são embaixadores desse movimento, é um direcionador enorme se a pauta de Felicidade Corporativa, está sendo aplicada ou não.

Como a parceria com a Fundação Dom Cabral começou e como está estruturada?

Eu recebi um convite da Fundação Dom Cabral (FDC) para ser professor e coordenador do curso Felicidade Corporativa, para o qual trouxe os cases da Deloitte, da Suzano, da Renner, do Google e de outras empresas. É um curso prático, em que trazemos exemplos de grandes empresas contando o que elas têm feito em Felicidade Corporativa. Também fui convidado para ser professor de um segundo curso na FDC, chamado Liderando pela Felicidade, onde eu sou um dos quatro professores e encarregado de trazer os casos práticos.

Então a Fundação Dom Cabral, por ser muito pioneira e entender esse movimento que as grandes escolas dos Estados Unidos e do mundo estão seguindo, se antecipou aqui no Brasil e trouxe casos reais para o Brasil.

Ele está direcionado para a liderança?

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Majoritariamente, sim, mas qualquer pessoa que está numa empresa também é o público-alvo, porque a pessoa que trabalha vai olhar e desejar isso na empresa onde atua. Quem vai aproveitar mais, com certeza, é a liderança, porém quem é um colaborador vai trazer isso como um desejo de trabalhar numa empresa assim e até mesmo levar para onde já trabalha este conceito.

Você comentou da especificidade da Fundação Dom Cabral de ser uma escola de negócios que acompanha tendências internacionais. Que outras qualidades você identifica na Fundação Dom Cabral e no público dela que possa fazer com que o conceito de Felicidade Corporativa seja cada vez mais conhecido e mais aplicado?

A Fundação Dom Cabral foi eleita a nona melhor escola de negócios do mundo, então ela é muito visionária. Trazer esse assunto precisa ter coragem, porque algumas instituições são muito engessadas. Se isso já não é um mainstream, a gente ainda tem que pensar bem antes de investir. A Fundação Dom Cabral tem essa visão visionária de fazer antes do que as outras e por isso que ela é uma das melhores do mundo.




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