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“Ética nas empresas melhora qualidade do trabalho”, defende Gazi Islam

O especialista em psicologia do trabalho, Gazi Islam, reflete sobre as novas formas de trabalho, a nova era industrial digitalizada e o papel protagonista que o Brasil precisa assumir na agenda econômica mundial

gazi islam Gazi Islam
por Redação novembro 11, 2022
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O Ph.D. em Comportamento Organizacional pela Tulane University of Louisiana e graduado em Comunicação e Psicologia pela University of Puget Sound, nos Estados Unidos, Gazi Islam, se dedica às pesquisas sobre a identificação das pessoas no trabalho. Em outras palavras, ele estuda as ramificações do trabalho no dia a dia das pessoas e tem feito isso em um contexto cada vez mais social e político. O fato de ter morado em países diferentes lhe deu amplitude para essas avaliações, que têm sido conduzidas de modo cada vez mais experimental, in loco. 

Gazi Islam, portanto, é observador e entrevistador, e tem ido a campo para entender como as pessoas criam sentido para si em um mundo que ele classifica como “caótico nos contextos sociais”. Ele ressalta as tensões das pessoas com o mundo do trabalho e como isso tem sido percebido. Em sua vinda ao Brasil para palestrar no “IV Fórum do Conhecimento – Futuro do Trabalho”, da Fundação Dom Cabral, em novembro, o especialista cedeu esta entrevista ao Seja Relevante, onde reflete sobre a nova revolução industrial, os perigos da concentração de renda histórica na qual vivemos e o papel de protagonista mundial que o Brasil precisa assumir na nova economia. Acompanhe.

Pode dar exemplo da sua linha de estudos?

© – Shutterstock

Procuro lugares que tenham contradições, como um supermercado orgânico onde os funcionários eram artistas e tinham no trabalho um ambiente para desenvolver as suas artes como música ou pintura de quadros. De um lado eles eram trabalhadores do supermercado, e isso não era um sonho profissional para eles. Mas por outro tinham a liberdade de se expressar com as suas artes. Então, fui entender o que significava para eles fazer arte no supermercado e identifiquei que algumas pessoas estavam muito contentes com isso, enquanto outros eram céticos ao modelo, pois entendiam que era uma maneira do supermercado convencê-los a lealdade, condições precárias de trabalho, como salários baixos, sem seguro previdenciário, etc. Isso é muito interessante, pois mostra um retrato do trabalho impositivo, da psicologia da plena consciência e da felicidade corporativa, mas mantendo condições econômicas muitas vezes precárias.

Na nossa época, cada vez mais são expostas as contradições do capitalismo atual, que quer fazer coisas opostas e ao mesmo tempo acaba modificando a experiência subjetiva das pessoas, que precisam se entender e entender o que estão fazendo no trabalho. O meu interesse, portanto, é entender as estratégias das pessoas para esse equilíbrio. 

Como são estabelecidos os modelos ganha-ganha no trabalho?

Trabalho muito com ética nas empresas e percebo uma forte tentativa delas tentarem alinhar propósito empresarial – que envolve basicamente o lucro – com bem-estar, sustentabilidade e aspectos positivos do trabalho dos funcionários. Esse alinhamento é muito difícil, na prática, pois há forças naturalmente opostas do trabalhador e da empresa. Os gestores, posto isso como objetivo, sempre estão nadando contra a corrente, dado o aspecto econômico, que demanda aumento de produtividade. Porém, é importante persistir na procura desse alinhamento e não há fórmulas, respostas prontas, para alcançá-lo. 

Como a gestão pode agir nesses casos?

© – Shutterstock

No geral, podemos caracterizar ações de gestão corporativa para criar bem-estar e dar sentido às vidas das pessoas. É o caso da gestão para o trabalho em equipe, valorizando as pessoas com símbolos e reconhecimentos do trabalho, de modo que elas ajudem a empresa a gerar lucro ao mesmo tempo que se auto realizam. Em contrapartida, isso cria muito ceticismo (como no caso do supermercado orgânico), pois as tensões entre o modo como os gestores buscam alinhar as necessidades da empresa ao interesse de auto realização e das necessidades psicológicas e físicas dos trabalhadores são latentes. Enfim, esse é o modelo ganha-ganha e ele é naturalmente conflituoso, mas uma boa gestão pode minimizar esse efeito.

Alguns estudos apontam para uma mudança no mundo do trabalho, impulsionada principalmente pelas gerações mais novas. Qual é a sua avaliação a respeito?

A ideia de serem nativos digitais, por si só, já causa grandes mudanças nessa geração em relação às gerações anteriores. As pessoas passam muito tempo em aparelhos digitais e se sentem confortáveis em trabalhar à distância e isto representa uma mudança enorme no mundo do trabalho, particularmente após a pandemia. As empresas, por reduzirem custos operacionais – ou, melhor dizendo: transferindo parte desses custos operacionais para os trabalhadores – também têm apoiado o modelo. Aos funcionários, agrada o fato de não enfrentar trânsito, poder mesclar melhor as vidas profissionais e pessoais como não era possível antes. Porém, já é possível perceber que isso beneficia a alguns grupos e a outros não.

Como assim?

Na questão de gênero, dada a distribuição desigual de trabalhos de cuidado, o trabalho à distância pode mudar a experiência das mulheres em termos de equilibrar trabalho e família, facilitando em alguns aspectos. Porém, o seu mundo separado da casa pode ser comprometido e isso pode prejudicá-las no cômputo da vida.

© – Shutterstock

Com as gerações mais novas também há ambiguidade, principalmente por conta dos microtrabalhos que surgiram nos últimos tempos, como os serviços de delivery ou outros que fazem mini-pagamentos fragmentados. Esse processo parece com jogos de videogame, onde se ganham pequenas recompensas por tarefas, e os mais jovens gostam da ideia. Porém, não sabemos quais serão as consequências disso a longo prazo em termos de seguridade, saúde, aposentadoria, enfim, de segurança e de direitos. Então, temo que, o que parece ser uma certa flexibilidade para que a pessoa escolha o jeito de trabalhar, traga prejuízos muito sérios em nível de sociedade, podendo até ser caracterizada como uma pré-crise social.

Esse é um retrato do Brasil ou do mundo?

É mundial, mas muda de país para país. Quando já se tinha uma grande parte da população excluída do trabalho formal, como era no Brasil antes da pandemia, o movimento pode ser visto de modo mais positivo, pois os que não tinham proteção trabalhista agora podem, ao menos, ter mais oportunidades de micro trabalhos. Já em países com a proteção trabalhista, incluindo uma maior parte da sociedade, o impacto negativo desse movimento é mais óbvio. Porém, em qualquer condição, avalio que a economia de micropagamentos digitais não é boa para basear uma sociedade a longo prazo.

Estamos a caminho de uma nova revolução industrial, baseada na digitalização. Isso pode mudar as relações de trabalho?

Entendo que não estamos em um caminho tão diferente das primeiras revoluções industriais, que ficaram marcadas socialmente por várias ondas de crises econômicas e sociais. Desde que começou, no século XIX, a industrialização foi marcada por várias revoluções, acompanhadas de momentos de grande repressão policial e colonial. É fato que o período trouxe crescimento econômico, mas também elevou o nível de concentração de riqueza e de capital. 

Agora, de um lado temos novas ferramentas para inovar com a digitalização, e isso amplia as condições de produtividade, mas do outro há uma concentração de riqueza inédita na história do mundo, com 1% das pessoas tendo mais riqueza do que a metade da população.

Um contraponto interessante, que não tinha na primeira revolução industrial, são os limites da natureza. Em todos os aspectos, está claro que a natureza não vai permitir crescimento sem limite. Nesse sentido, a nova revolução industrial terá de ser acompanhada por uma reimaginação social do papel do cidadão, das leis, dos governos e dos fóruns coletivos para garantir que os benefícios dessa nova forma de produção sejam melhor distribuídos para a população. 

Como você entende que o Brasil – que tem diferenciais energéticos e relativo acesso a tecnologias – deve se posicionar nesse novo cenário?

O Brasil precisa ser – para o bem de todo o mundo – um líder da nova geração econômica, política e social. É muito importante que o país tome esse papel por várias razões, mas principalmente pela presença da Floresta Amazônica. Não dá para pensar no século XXI sem a Amazônia em boa ordem e a forma que o Brasil vai tratar esse seu patrimônio natural vai influenciar o mundo. Na primeira década do século, houve um avanço importante em termos de proteção desse patrimônio natural. Mas nos anos mais recentes vimos uma aceleração medonha do desmatamento. Se isso continuar, todo o potencial de geração energética que o Brasil tem será colapsado pelo perigo de longo prazo nas mudanças climáticas.

O papel de país emergente do Brasil, portanto, precisa ser rapidamente substituído pelo papel de líder climático. O Brasil é um país de potencial único nesse sentido e, por isso, tem a obrigação de fazê-lo.




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