As empresas brasileiras apresentam um cenário desafiador quando o assunto é transformação digital. Essa é uma das conclusões de um estudo realizado pela Fundação Dom Cabral (FDC) e PwC Brasil, para compreender o estágio atual da transformação digital nas organizações e estimular um debate mais amplo sobre uma agenda propositiva para o avanço do tema de forma sistemática no Brasil.
Nesta primeira edição, o Índice Transformação Digital Brasil (ITDBr) mostra que mais da metade (52,4%) das empresas avaliadas em dez dimensões são classificadas como ‘seletivas’, ou seja, fazem pequenos investimentos na transformação digital. O quadro torna-se mais animador, contudo, ao apontar que 25,2% das organizações são ‘otimizadoras’, uma vez que nelas a transformação digital determina os principais investimentos. As perspectivas tornam-se ainda mais positivas com a classificação de 22,3% das empresas como ‘visionárias’, nas quais os investimentos em transformação digital determinam a organização no futuro.
Existem muitos índices e pesquisas sobre a transformação digital no mercado. No entanto, todos fazem uma análise global da inovação e de novas tecnologias. A proposta de criar este levantamento, por meio de uma metodologia única e proprietária, surge da intenção da FDC e da PwC Brasil de oferecer à sociedade um indicador específico, que represente a realidade das empresas brasileiras e setores de interesse.
As instituições consideram a criação de um índice extremamente relevante, pois existe uma demanda por estruturar a transformação digital de forma sistematizada, avaliando o seu progresso ao longo do tempo e mensurando o seu impacto na economia.
Índice Transformação Digital Brasil adota metodologia única
Para o novo Índice Transformação Digital Brasil foram aplicados questionários aos executivos de dez setores da economia, em organizações de diversos portes, inclusive startups, abordando questões ligadas ao investimento digital. Toda a busca de informações tem como pano de fundo outras dez dimensões – ou camadas de análise – da maturidade de transformação digital das organizações: Estratégia; Governança; Clientes digitais; Estratégia de tecnologia; Processos digitais; Fronteira tecnológica; Inteligência artificial; Infraestrutura; Cultura data-driven; e Pessoas e cultura.
Para a FDC e a PwC Brasil, o estudo revela que a transformação digital no país vem sendo
adotada “de forma seletiva” pela maioria das organizações, com investimentos restritos em tecnologia, mas há um ponto de equilíbrio do quadro geral, com a presença de várias empresas com comportamento otimizador ou visionário, que investem mais no avanço digital.
Empresas de maior porte investem mais em transformação digital
Empresas com faturamento anual acima de R$ 1 bilhão são maioria (46%) na pesquisa, seguidas por aquelas com faturamento abaixo de R$ 300 milhões (29%). A situação destes dois grupos é diferente quanto ao avanço da transformação digital.
Das empresas que faturam abaixo de R$ 300 milhões, 57% são ‘seletivas’, 23% são ‘otimizadoras’ e 20% são ‘visionárias’. Dentre as que faturam acima de R$ 1 bilhão, a maioria também é ‘seletiva’ (53%), seguida por empresas ‘otimizadoras’ (32%) e ‘visionárias’ (13%). Ou seja, as empresas de maior porte mostram uma situação um pouco melhor na transformação digital. Mas os criadores do Índice Transformação Digital Brasil consideram que ambos os grupos “mostram necessidade de aprimoramento”.
Serviços financeiros lideram o índice
Os resultados da pesquisa dão um bom panorama qualitativo do investimento em transformação digital dos principais setores da economia, como mostra tabela abaixo, e revelam que a maioria ainda tem que fazer muitos deveres de casa para chegar à nota máxima, que é 6. Entre as empresas analisadas, a maior nota alcançada foi 4,1 dentro do segmento de Serviços financeiros. Causa surpresa uma pontuação baixa para Produção industrial (2,9). E gera preocupação a pontuação do setor Saúde, que ficou em último lugar, com índice 2,8.
SETOR ÍNDICE
Serviços financeiros 4,1
Tecnologia da Informação 3,8
Varejo e Mercado de Consumo 3,5
Energia 3,4
Automotivo 3,4
Construção Civil e Infraestrutura 3,0
Consultoria e Serviços 3,0
Agronegócios 3,0
Indústrias 2,9
Saúde 2,8
Pontuação geral das dez dimensões analisadas é mediana
O ITDBr também avaliou especificamente as dez dimensões de análise da maturidade de transformação digital nas organizações, usadas como matéria-prima para os questionários enviados aos executivos das empresas. A pontuação geral – 3,3, diante do índice máximo de 6 – pontuação mediana. Veja as pontuações na tabela abaixo:
CAMADA ÍNDICE
Cultura Data Driven 3,9
Estratégia 3,7
Clientes e Processos 3,7
Infraestrutura 3,7
Estratégia Tecnológica 3,7
Pessoas e Cultura 3,4
Clientes Digitais 3,1
Governança 2,9
Inteligência Artificial 2,4
Fronteira Tecnológica 2,3
Desafios e necessidades para a transformação digital
O estudo referente à primeira edição do ITDBr mapeou as principais necessidades e desafios para implementar a transformação digital nas organizações. A incorporação da estratégia digital nos projetos em vigor” das empresas é um desafio para 51% dos gestores respondentes, enquanto “estabelecer a digitalização como um processo estruturado” é uma necessidade para 50% dos ouvidos.
Os entrevistados responderam à pergunta “O que impede a sua organização de implementar a transformação digital?”. Para 55%, o desafio é a falta de estrutura e cultura. Já 28% destacaram pouca experiência em projetos digitais. Uma parcela de 21% apontou a falta de visão de um modelo de negócios. Já 20% têm aversão ao risco. Um grupo de 14% citou que a empresa tem pouco conhecimento técnico. 13% indicaram que há uma orientação para práticas de tecnologia de suporte e 9% apontaram ter diretrizes de gestão pouco flexíveis. A perspectiva de falta de rentabilidade dos projetos digitais foi citada por 8% e 7% apontaram a falta de cursos de qualificação e treinamento.
Principais conclusões
Os autores do estudo elaboraram 14 análises e conclusões do trabalho realizado, das quais destacamos seis observações:
1. O estudo mostrou que para a maioria das organizações a transformação digital aparece como relevante, mas as estratégias ainda não visam a transformação completa do negócio para um modelo digital. Apenas 7% dos ouvidos destacaram transformações amplas na estratégia, como, por exemplo, o redesenho do core e um planejamento para melhorias em todas as áreas.
2. O backoffice se destaca como alvo da transformação digital das empresas. Respondentes apontaram a automação e implementação de processos digitais, aplicativos e sistemas, com destaque em mudanças gerais como RPAs, ERPs e ferramentas digitais. Essas transformações ocorrem, principalmente, no setor jurídico, com assinaturas e contratos digitais; e na área Comercial, Vendas e CX, com modernização do CRM e remodelagem do processo de vendas.
3. No que se refere a produtos e serviços digitais, as transformações são relacionadas à inclusão de novas funcionalidades (19%), como: biometria, novos meios de pagamento e sensores para touchless. Em menor quantidade (16%), as empresas adotaram produtos e serviços digitais como plataforma de soluções, funções em nuvem e apps. Porém, poucas empresas (8%) mencionaram a criação de novos negócios digitais como NaaS e SaaS. A conclusão é que a transformação digital demonstra abranger mais produtos e serviços do que negócios.
4. As organizações brasileiras ainda demonstraram baixa maturidade para inteligência artificial. Algumas empresas (10%) apresentam iniciativas como IA para criação de produtos, inteligência jurídica e machine learning para otimização de processo de S&OP.
5. Em termos de cultura, os entrevistados mostraram ainda existir um baixo senso de urgência para a formação e contratação de competências digitais. A cultura surge como principal desafio para avançar na transformação digital.
6. A maturidade da governança para o digital é baixa. Poucas organizações adotam gestão de riscos e aplicação de assessments constantemente para avaliar a maturidade para a transformação digital. Implementações de governança para o digital foram destacadas apenas por 1% dos respondentes.