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O desafio de adaptar ferramentas de gestão a iniciativas sociais

Gerir organizações sociais é como gerir empresas? Há alguns pontos de atenção para gestão de iniciativas sociais

iniciativas sociais Foto: Freepik

Por

Ana Vitória Alkmim

Professora convidada e pesquisadora da Fundação Dom Cabral para Estratégia, Sustentabilidade e Inovação Social; e doutoranda em Ecologia Humana pela Universidade Nova de Lisboa

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    Impacto positivo e legados sustentáveis

A missão de organizações sociais é conectada à criação e expansão de capital social, que pode ser definido como a capacidade de pessoas se conectarem e se organizarem para a solução de problemas que envolvem uma comunidade. 

Quando falamos sobre gestão dessas organizações, estamos conectando mundos que, há algum tempo, pareciam separados, mas isso vem mudando ao longo do tempo. Há quem chame o empreendedorismo social de setor 2,5, uma vez que trata dos problemas abordados pelo terceiro setor (formado por pessoas jurídicas de direito privado que não têm finalidade lucrativa e exercem atividade de interesse social), usando mecanismos desenvolvidos originalmente para o segundo setor (composto por empresas, ou seja: pessoas jurídicas de direito privado movidas pela finalidade do lucro). Gerir organizações sociais é como gerir empresas? 

Aplicar ferramentas, conceitos e metodologias originados na gestão empresarial em iniciativas sociais pode ser muito bom e proveitoso, mas é necessário ter atenção ao processo de aplicação. Ao longo de mais de 20 anos trabalhando com organizações sociais, tenho registrado alguns pontos críticos. Neste texto, foco aprendizados no trabalho de planejamento estratégico que venho desenvolvendo com a AVABRUM (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos no Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão), por meio do Projeto Legado de Brumadinho

Trata-se de um projeto que nasceu do sonho de reunir aprendizados nascidos da dor resultante da tragédia do dia 25 de janeiro de 2019. Financiada com recursos provenientes de indenização social pelo colapso da barragem, a iniciativa defende o trabalho com respeito à vida, em memória e honra das 272 vítimas da tragédia, na busca de que desastres como esse não se repitam. 

Vamos percorrer alguns temas que devem ser levados em conta quando se trabalha gestão em organizações sociais.

Ponto #1: entender a causa

iniciativas sociais
Foto: Freepik

Empreendimentos sociais nascem de sonhos coletivos. A AVABRUM nasceu em meio à mais profunda dor – a perda de familiares e amigos queridos. Parte dessa dor se transformou em uma força gigantesca, que criou a associação e, algum tempo depois, o Projeto Legado de Brumadinho. Ou seja: é um sonho que brotou da dor. 

A gestão de uma iniciativa social deve servir à realização desse sonho e adaptar-se às suas características; não o contrário. Tentar impor a empreendimentos sociais os mesmos parâmetros, metodologias e ferramentas da gestão tradicional, sem fazer as adaptações necessárias, é contraproducente. O Legado de Brumadinho, a todo tempo, nos lembra que o que move organizações, de qualquer natureza, são pessoas. E as pessoas sofrem, têm bons e maus momentos. 

O sonho coletivo não se realiza quando não respeitamos o ritmo das pessoas envolvidas. Todo e qualquer planejamento deve ser feito com base em profundo respeito aos momentos da vida dos envolvidos, suas dores, alegrias, tristezas e conquistas.

Ponto #2: resultado financeiro não é o principal, mas pode ser importante

iniciativas sociais
© – Shutterstock

Nem toda organização social precisa ser filantrópica ou de caridade. Empreendimentos sociais podem ter duplo bottom line: resultado social e financeiro, desde que financeiro sirva ao social – por meio do pagamento de funcionários, despesas e outros gastos. É possível, por exemplo, participar de editais ou até mesmo criar subempreendimentos para isso, como venda de produtos, prestação de serviços, realização de eventos etc.

Um plano de sustentabilidade financeira dá aos gestores mais tranquilidade. Também é importante pontuar que iniciativas sociais precisam ter metas, objetivos e indicadores de desempenho – quantitativos e qualitativos.

Ponto #3: ser voluntário não significa não ter compromisso

Resolveu ser voluntário? Que ótimo! Então não tem cobrança ou expectativa de dedicação, certo? Errado. Grande parte dos empreendimentos sociais não tem a mesma capacidade de remuneração que empreendimentos tradicionais. Por isso, contam, em seu quadro, com colaboradores voluntários – tão importantes quanto os remunerados, pois o foco não é quanto ganham, mas o trabalho que prestam.

“Voluntário” vem de “vontade”. É muito importante que gestores de organizações sociais façam contratos com os voluntários, esclarecendo expectativas mútuas, disponibilidade e horários. Nem todo mundo tem o mesmo tempo disponível ou pode se envolver em todas as tarefas. Mas, se o voluntário acredita mesmo na causa, vai se comprometer dentro das suas possibilidades.

Ponto #4: é preciso formar

Foto: Freepik

Empresas, quando contratam, exigem formação e experiência. Em organizações sociais, a vontade e o compromisso com a causa podem determinar a acolhida de um colaborador. Como os pontos anteriores mostraram, a gestão social pode ser extremamente desafiadora, por isso é muito importante investir na formação da equipe. Há instituições, no Brasil e no exterior, que financiam e viabilizam treinamento de ponta para gestores sociais e suas equipes. E ainda: aceleradoras sociais que oferecem espaço, formação e mentoria, na maioria das vezes, de forma gratuita.

Ponto #5: o maior patrimônio é a rede

O maior patrimônio que uma empresa pode ter é sua cadeia de valores. No terceiro setor não é diferente. Bons parceiros partilham capital financeiro e social: conhecimento, experiência, novos contatos e conexões. Montar um conselho consultivo, reunindo periodicamente especialistas que acreditam na causa, pode ser uma excelente fonte de ideias e soluções. Grandes e bem-sucedidos empresários costumam ter prazer em dedicar parte do seu tempo a inspirar e aconselhar.

Ana Vitória Alkmim (Foto: Reprodução/LinkedIn)

* Ana Vitória Alkmim é professora convidada e pesquisadora da Fundação Dom Cabral para Estratégia, Sustentabilidade e Inovação Social; e doutoranda em Ecologia Humana pela Universidade Nova de Lisboa.




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