Além de trazer perspectivas sobre as profissões que devem decolar ou que podem desaparecer entre 2023 e 2027, o relatório O Futuro do Trabalho 2023, do Fórum Econômico Mundial (WEF), elaborado com a parceria da Fundação Dom Cabral e com pesquisas realizadas em 45 países, lança luz sobre diversos aspectos do mundo do trabalho no Brasil e no mundo para os próximos anos.
O documento mostra que 69 milhões de empregos devem ser criados nos próximos anos, enquanto outros 83 milhões serão eliminados. O resultado é que 14 milhões de vagas vão desaparecer – ou seja, 2% da quantidade atual de empregos existentes nos países analisados. Mas, segundo o professor da Fundação Dom Cabral, Carlos Arruda, isso não significa, necessariamente, que haverá desemprego. “A questão é que os profissionais precisarão de maior qualificação e desenvolvimento de habilidades para atuarem nos mercados que estão surgindo”, disse ele, em live promovida pela FDC. “Existem milhões de profissões que devem surgir nos próximos anos, com o desenvolvimento de novas tecnologias, mas é preciso aprendizado contínuo e requalificação”, pontuou.
Além da importância do desenvolvimento de competências, para Luciana Camargo, executiva da IBM que também participou da live, algumas questões sobre o futuro do trabalho precisam ser revistas e os profissionais de recursos humanos devem ficar atentos. Segundo ela, algumas questões fundamentais que precisam ser trabalhadas pelas empresas passam pela diversidade de gênero, com mais mulheres em cargos de liderança, além de posicionamentos que favoreçam a inclusão de pessoas, independentemente de idade, orientação sexual, etnia, dentre outros.
“É preciso lembrar que no caso do ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança corporativa), o S não está relacionado somente à parte social, mas também deve integrar a governança”, ressaltou, mencionando que esse contexto é essencial para promover a saúde mental e emocional das pessoas no ambiente corporativo. “A capacitação e desenvolvimento dos profissionais também está diretamente relacionada à sua motivação e ao reconhecimento de seus potenciais, independentemente de qualquer outro aspecto que possa promover menores oportunidades”, observou.
Países em desenvolvimento enfrentam taxas mais elevadas de desemprego
Em uma análise comparativa, nota-se que enquanto países desenvolvidos obtiveram uma forte recuperação, com alguns setores enfrentando escassez de mão de obra – como o relato de 30% de manufaturas europeias sofrendo restrições na produção durante o segundo trimestre de 2022 em razão da baixa disponibilidade de trabalhadores –, países de renda baixa e média-baixa enfrentam taxas de desemprego maiores do que os níveis pré-pandêmicos.
No Brasil, o desemprego entre pessoas com educação avançada (superior/técnico) é inferior ao comparado com o de pessoas que possuem apenas a educação básica (7% contra 11%, respectivamente). Diversos fatores socioeconômicos do país corroboram para um patamar elevado de trabalho vulnerável (28% da força de trabalho), similares a de países latino-americanos como México e Argentina (27% e 23%, respectivamente), e bem acima de desenvolvidos, a exemplo dos Estados Unidos (4%)
Em âmbito individual, os resultados do mercado de trabalho também são divergentes, com trabalhadores apenas com educação básica e mulheres com níveis de emprego mais baixos. Ao mesmo tempo, os salários reais estão diminuindo, como resultado de uma crise contínua de custo de vida, e as mudanças nas expectativas e preocupações dos trabalhadores sobre a qualidade do trabalho são questões mais proeminentes em todo o mundo.
O perfil do trabalhador
O relatório do WEF também pesquisou o comportamento de funcionários em diversas partes do planeta. Os trabalhadores estão mais abertos a mudar de emprego, conforme pesquisa realizada pela CultureAmp – empresa com sede na Austrália, que criou uma plataforma de análise de funcionários para diminuir a rotatividade de pessoas. Os resultados mostraram que 33% dos trabalhadores não se veem na empresa em que trabalham nos próximos dois anos. A pesquisa também mostrou que 83% e 71% dos funcionários priorizam flexibilidade no horário e no local de trabalho, respectivamente.
O nível salarial continua sendo o principal motivo para os trabalhadores mudarem de emprego, embora questões como as apontadas por Luciana, da IBP, sejam igualmente relevantes (bom ambiente de trabalho, diversidade e valorização das diferenças individuais).
De qualquer forma, o aumento do custo de vida e a desaceleração econômica são dois fatores que preocupam os profissionais, segundo dados da empresa de RH Adecco. Na pesquisa, 61% dos trabalhadores demonstram preocupações acerca do crescimento salarial insuficiente para mitigar as pressões inflacionárias.
Um outro dado interessante é para a Geração Z, pessoas nascidas da segunda metade da década de 1990 até o início de 2010, à qual pertence a maior parte dos novos ingressantes no mercado de trabalho. Dos trabalhadores dessa geração, 68% não estão satisfeitos com o progresso de sua organização na criação de um ambiente de trabalho diversificado e inclusivo e 56% não aceitariam uma função sem liderança diversificada.
Isso reforça a importância de estratégias de diversidade e inclusão (D&I) para estabelecer um ambiente de trabalho atrativo. No Brasil, 81% das organizações que fizeram parte da pesquisa possuem programas nesse sentido, que priorizam o treinamento sobre o tema aos seus gerentes, enquanto média global é de 67%.
Tendências para o mercado
Em uma análise para os próximos 5 anos (2023-2027), a adoção de tecnologia será um fator-chave na transformação dos negócios, assim como a implementação do ESG e de mudanças no cenário geopolítico e econômico. Durante a pesquisa de opinião, executivos foram questionados sobre quais macrotendências seriam as mais prováveis ou crescentes para os próximos 5 anos. O resultado apontou o crescimento da adoção de novas tecnologias de fronteira (86,2%), a ampliação do acesso digital (86,10%) e da aplicação de padrões ESG (80,6%). O impacto dos investimentos para impulsionar a transição verde foi considerado a sexta mais impactante macrotendência, conforme segue ilustrado abaixo:
As macrotendências apresentadas geram transformações significantes que acarretam no surgimento de novas ocupações e no desaparecimento de certos cargos no mercado de trabalho. O impacto positivo e negativo que a inserção de uma nova tecnologia ou política resulta na oferta de emprego é definido pelo Fórum Econômico Mundial como criação líquida de empregos e é medido, em porcentagem, pelo crescimento ou redução da oferta de empregos gerados. A rotatividade geral esperada dos empregos nos próximos cinco anos é de 23%, agregando postos de trabalho emergentes e em declínio. No Brasil, essa taxa é um pouco menor, alcançando 21%.
Os investimentos que facilitam a transição verde dos negócios (52,2%), a ampliação de padrões ESG (51,4%) e a inclusão de cadeias de suprimentos locais (46,5%) tendem a gerar expressivos ganhos no número de vagas disponíveis, enquanto a desaceleração da economia mundial (-44,4%) e aumento do custo de insumos (-23,7%) e de vida (-19,3%) são os três principais fatores para redução de empregos.
O mercado de trabalho brasileiro
O Brasil tem cerca de 136 milhões de pessoas economicamente ativas, mas apenas 17% da força de trabalho possui um diploma de educação de nível superior ou vocacional. A taxa de desemprego se encontra no patamar de 10%, enquanto 23% dos jovens não trabalham nem estudam. Em meio a desafios econômicos e estruturais como esses, o progresso tecnológico e pautas ESG ainda fomentam diversas mudanças no mercado de trabalho brasileiro, de forma similar ao resto do mundo, com diversos problemas, incluindo ausência de talentos qualificados e desemprego estrutural.
As tendências globais impactarão fortemente na criação ou destruição de empregos no Brasil. As funções mais promissoras no país, conforme saldo líquido positivo de empregos das empresas que responderam à pesquisa, são analistas e cientista de dados (31%), profissionais de desenvolvimento de negócios (25%), gerente de operações (13%) e advogados (13%). Entre as habilidades exigidas, as relacionadas a aspectos cognitivos, de autoeficiência e de competências tecnológicas são fundamentais para garantir a melhor performance organizações.
Segundo os executivos brasileiros, para contornar o problema de baixa disponibilidade de mão de obra qualificada, é necessário adotar algumas práticas com o intuito de elevar a disponibilidade de talentos na economia. A prática mais selecionada foi a melhoria no processo de promoção e progressão de carreira (55% das organizações respondentes), seguida pelo fornecimento de requalificação e qualificação eficazes (32%) e melhor articulação do propósito e impacto do negócio (31%). Nesse contexto, a proposta de qualificação e requalificação é comumente financiada pela própria organização, seguida por treinamentos gratuitos e de financiamento via parcerias público-privadas.