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Educação inclusiva é avanço irrefutável às pessoas com deficiência

Mariana Rosa, professora convidada da FDC, mostra as dificuldades que cercam as pessoas com deficiência na educação e preparação para o mercado de trabalho

educacao inclusiva Mariana Rosa
por Redação abril 14, 2023
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    Impacto positivo e legados sustentáveis

O Brasil comemora em 14 de abril o Dia Nacional de Luta pela Educação Inclusiva, com uma extensa pauta de necessidades para inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho e na sociedade. Professora convidada da Fundação Dom Cabral, Mariana Rosa foi entrevistada pelo Seja Relevante para abordar as necessidades das pessoas com deficiência e as frentes necessárias para atendê-las.

Nesta entrevista, ela lança luz sobre as dificuldades que cercam as pessoas com deficiência na educação e na preparação para o mercado de trabalho. Acompanhe

Qual é a proporcionalidade de pessoas com deficiência na sociedade e no mercado de trabalho brasileiro?

De acordo com o Censo do IBGE de 2010, 24% da população brasileira têm algum tipo de deficiência. Em 2016, foi feito um ajuste nesse número e esse percentual caiu de 24% para 9,6%. É uma diferença muito grande, então não dá pra gente dizer nem que é 24%, que talvez seja um número superestimado, nem que é 9,6%, porque é um número provavelmente subestimado. A dificuldade de a gente dizer quantas são as pessoas com deficiência já traduz a invisibilidade desse grupo na nossa sociedade.

© – Shutterstock

A própria experiência da deficiência coloca em cheque as questões relacionadas à produtividade no mercado de trabalho. Muitas vezes as pessoas com deficiência são vistas como incapazes, são percebidas como aquelas a quem não será possível explorar para obter o máximo lucro ou não será possível que desenvolva uma determinada atividade no menor tempo, inclusive nos trabalhos mais industriais. 

Por isso, tem sido bastante difícil pensar nessas pessoas no ambiente de trabalho, porque a sua presença coloca em xeque a própria maneira como as relações são organizadas. A experiência da deficiência é criada por estruturas que excluem e marginalizam pessoas cujas diferenças estão associadas [de modo equivocado] à menor produtividade. A experiência da deficiência como construção social expõe a brutalidade do sistema em relação a elas, porque elas são lidas como incapazes de ser mão de obra.

Qual é a legislação a respeito e como ela tem apoiado?

A Lei de Cotas (Lei 8.213) é de 1991, ou seja, já há mais de 30 anos estabelece que as empresas  contratem pessoas com deficiência por meio de cotas. A legislação estabelece que as organizações devem ter de 2% a 5% de pessoas com deficiência. Mas tudo indica que a gente está na média mais baixa nas organizações. É o que aponta, por exemplo, pesquisa feita pela consultoria Gestão Kairós em 2022. Então, isso deixa evidente o quanto o mercado ainda vai precisar avançar nesse tema. 

Como a educação inclusiva pode combater esse cenário?

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© – Shutterstock

Menos de 1% dos estudantes com deficiência chegam ao ensino superior. Há pouco tempo os estudantes com deficiência puderam acessar a escola comum. Acessar o currículo da maneira como a gente conhece começou a acontecer com a Constituição de 1988, mas a virada nas matrículas de estudantes com deficiência em escolas comuns – em um patamar acima das matrículas em instituições segregadas – só começou a ocorrer a partir de 2007. Então, tem pouco mais de uma década que esses alunos passaram a acessar a educação básica. Mais para frente, isso vai melhorar o acesso ao ensino superior e a gente espera que também melhore a contratação no mercado de trabalho.

A que se atribui esse déficit? 

Muitas vezes, os estudantes com deficiência são desacreditados nas escolas. Presume-se que, por terem uma deficiência, serão menos capazes de aprender, então não se percebe um esforço para que as práticas pedagógicas diversifiquem o ensino e garantam acessibilidade de materiais. 

O investimento no ensino desse estudante, bem como na formação dos professores nas tecnologias específicas, não vem sendo feito na sua máxima potência. Quando essas pessoas chegam ao mercado de trabalho, geralmente são contratadas com cargos inferiores e para funções consideradas mais triviais. E aí, não tem plano de carreira, não tem plano de desenvolvimento, não tem nenhuma proposta de acompanhamento de tutoria e mentoria para que possam ter uma perspectiva de cargo e salário dentro da organização, etc.

Como está o Brasil no processo de educação inclusiva em comparação a outros locais do mundo?

Do ponto de vista da legislação, o Brasil é um dos países mais avançados no mundo sobre educação inclusiva, é referência para estudos e pesquisas de vários outros países. O que acontece aqui é a distância entre o que está na lei e a prática. Acontece que os investimentos na educação como um todo têm sido despriorizados. Então, o que está na legislação nem sempre acontece na prática. Daí a importância da vigilância social, da organização da sociedade em conselhos e comitês e a participação ativa nos ambientes em instituições de ensino para que a gente possa fazer valer aquilo que está garantido na lei como um direito de todas as pessoas, não só dos estudantes com deficiência.  Afinal o direito ao convívio na diferença, na diversidade é um direito de todas as pessoas. 

O Dia Nacional de Luta pela Educação Inclusiva, em 14 de abril, é importante para a causa da pessoa com deficiência?

© – Shutterstock

A educação é um direito muito recente para os estudantes com deficiência. Eles são os últimos a acessar a escola. A educação brasileira é uma história de segregação e exclusão. Primeiro, de acesso apenas a meninos e de classe classes abastadas, depois meninas de classe abastadas e pouco a pouco ela vai sendo ampliada. Mas os estudantes com deficiência só puderam começar a acessar a escola comum no fim do século 20, no lugar das instituições especiais. 

A educação se afirma como inclusiva – é preciso usar esse qualificativo – muito recentemente. Hoje vivemos um novo marco na história da educação e na história dos direitos humanos, por isso a palavra educação precisa vir com esse qualificativo de inclusiva. É importante para nós lembrarmos que a educação é uma situação na qual não deixamos ninguém para trás, é preciso organizar ambientes, saberes e práticas para acolher todas as pessoas em suas diversidades.

Dentro dos grupos de pessoas com deficiência, há diferentes situações e, portanto, diferentes demandas de inclusão. Como a educação inclusiva aborda essa questão?

É importante entender que o foco da educação inclusiva não é a condição da deficiência, não é o diagnóstico da pessoa. Não é o autismo, a síndrome de Down ou a paralisia cerebral. O foco da educação inclusiva são as barreiras que se colocam para que estudantes com determinadas características acessem o currículo. Então, o tempo todo a gente vai olhar não para o laudo desse estudante, mas para aquilo que ele sabe, aquilo que ele gostaria de saber, aquilo que falta a escola oferecer para que ele possa acessar o currículo. É assim que a escola precisa abordar essa questão, focando nas barreiras que dificultam o acesso desse estudante ao currículo. Vou dar um exemplo muito simples, o de um estudante cego. Então, eu diversifico a minha abordagem e, em vez de eu dar uma aula apoiada totalmente em recursos visuais, será que eu consigo incorporar recursos tridimensionais táteis? Posso indicar um texto em PDF ou posso indicar um texto que tenha um equivalente em Braile ou a opção de ouvir com Player.

Mais do que incluir no ambiente de trabalho, as pessoas de grupos minorizados precisam de inclusão social de fato. Como você avalia essa afirmação e o que pode comentar a respeito?

O trabalho é um dos direitos fundamentais aos quais as pessoas com deficiência precisam ter acesso. Outros são saúde, educação, lazer, esporte, cultura, afeto, segurança, alimentação. Tudo isso compõe a vida da pessoa com deficiência. Então o que a gente precisa pensar é como forjar uma sociedade que não trate a diferença como um desvio, um obstáculo a ser contornado ou controlado, seja por medicação, seja por técnicas de reabilitação. Como podemos construir uma sociedade em que a diferença é aquilo em torno do qual se organiza todo o resto? Aquilo que a gente entende como valor e como riqueza e não como desvio? Como é que a gente organiza uma sociedade em que cada pessoa seja o que ela é e os recursos, as ferramentas, o currículo, o transporte, a arquitetura, tudo isso se construa a partir dessa diferença, considerando-a como valor, como parte da nossa humanidade?




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