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Conflito no Oriente Médio: o que esperar daqui para frente?

Para o professor Paulo Vicente, da Fundação Dom Cabral, o conflito no Oriente Médio merece atenção: "não é o momento de fazer dívidas", alerta em artigo

conflito no oriente medio © - Shutterstock

Por

Paulo Vicente dos Santos Alves

Professor da Fundação Dom Cabral

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    Estratégia e governança

Os recentes acontecimentos no conflito entre Israel e o Hamas deixaram o mundo perplexo e aguardando o seu desfecho. Este artigo pretende explorar o que possivelmente virá a acontecer daqui para frente, incluindo alguns cenários possíveis.

Uma ofensiva militar moderna

Existe uma racionalidade nas operações militares que nos permite traçar fases dos acontecimentos como em um planejamento empresarial.

Fase 1 – Supremacia eletromagnética – A forças que pretendem iniciar uma ofensiva tentam estabelecer um controle total (supremacia) ou pelo menos parcial (superioridade) dos espectros eletromagnéticos, isto é rádio, radares, computadores, e sensores eletromagnéticos. 

Israel já tem esta supremacia em geral, mas ainda há falhas eventuais no sistema 

Fase 2 – Supremacia aérea – Estas mesmas forças tentam impor controle total do espaço aéreo da região onde ocorrerá o conflito. Isto se dá por meio de aviões, helicópteros, baterias antiaéreas e radares.

Aqui, também Israel já tem este domínio, mas por vezes drones e até mesmo paragliders são capazes de penetrar as defesas antiaéreas. 

Fase 3 – Redução das defesas inimigas – Aqui se busca destruir as casamatas, artilharia, centros de comando, sensores, radares e estrutura logística. Idealmente a estrutura chamada de C4I (Comando, Controle, Comunicação, Computação e Inteligência) do oponente são destruídas, bem como sua capacidade logística e seus arsenais de munições.

Esta é fase na qual Israel se encontra no momento em que escrevo este texto. Um bombardeio intenso por ar para reduzir as defesas do Hamas na faixa de Gaza, mais especificamente no Norte desta.

Esta fase pode levar de alguns dias até algumas semanas. Na operação ‘tempestade do deserto’, em 1991, ela foi de 17 de janeiro até 24 de fevereiro, ou seja, cerca de seis semanas.

Fase 4 – Ofensiva terrestre – embora as forças aéreas sejam poderosas, elas não podem ocupar o território e eliminar totalmente as defesas do oponente, então unidades militares de terra, compostas basicamente de infantaria e veículos blindados, precisam ocupar o terreno.

Neste caso, o combate se dará em terreno urbano com grande quantidade de escombros, minas terrestres, túneis, franco-atiradores (snipers), drones, emboscadas e armadilhas. 

O avanço terá de ser lento, como se tem visto nos combates urbanos na Ucrânia. Este tipo de terreno é diferente do qual foram feitas operações como a tempestade do deserto, e mesmo as guerras de 1967 e 1973, onde o deserto favorece os veículos fortemente blindados, chamados de veículos principais de batalha, ou Main Battle tanks (MBT’s), mais popularmente chamados de “tanques”.

Numa região urbana, ganha destaque a engenharia de combate com lança-chamas, cargas de explosivos, veículos de limpa-minas e submetralhadoras. O combate é chamado de “aproximado” e, muitas vezes, se torna corpo-a-corpo com lâminas e baionetas.

Esta fase pode durar meses até a região do Norte da Faixa de Gaza ser limpa de presença do Hamas. Ainda mais que as forças armadas de Israel serão cuidadosas para evitar perdas.

Fase 5 – Reconstrução e segurança – Aqui se ocupa o território para evitar um vácuo de poder que leva inevitavelmente ao surgimento de uma nova entidade militar de resistência.

Esta fase pode durar anos, como ocorreu no Iraque pelas forças dos EUA entre 2003 e 2011, e levou à criação de um estado funcional e moderno naquele país.

Não é claro se Israel está disposto a fazer este investimento de tempo e dinheiro para reconstruir a região para impedir o surgimento de outro grupo militar, mas é minha modesta opinião que esta seria a única solução de longo prazo. Poder não admite vácuo. 

Cenários de ampliação do conflito

Até aqui analisamos apenas a possibilidade de um conflito na Faixa de Gaza; porém é possível que este conflito se amplie para outras regiões.

Paulo Vicente dos Santos Alves

No momento em que escrevo este texto, já ocorrem combates entre as forças de Israel e do Hezbollah no Norte de Israel e no Sul do Líbano, mas ainda sem incursões terrestres.

Um primeiro cenário seria o da guerra se estender para esta região, e potencialmente Israel fazer uma incursão terrestre no Sul do Líbano para destruir o arsenal do Hezbollah.

Embora isto seja possível, não parece ser provável ainda, então coloco uma probabilidade de cerca de 20% disto ocorrer em 2023.

Outra possibilidade é a do Irã intervir para defender o Hamas, e potencialmente o Hezbollah. Isto provavelmente se daria por meio de drones de longo alcance, ou mísseis de alcance intermediário (IRBM – Intermediate Range Ballistic Missile), como os Shahab-3 e Sejjil.

Isto poderia desencadear uma reação por parte de Israel e mesmo dos EUA (e outras nações aliadas aos Estados Unidos). 

Este cenário me parece ainda menos provável, pois o Irã sabe que tem mais a perder do que a ganhar com isso. 

Além disso, a China depende, hoje, muito do petróleo do Irã. Cerca de 40% das exportações do Irã vão para a China, o que faz com que o país queira que o Irã se mantenha fora de problemas mais graves, e não teria como projetar força na região do Oriente Médio para defender o Irã.

Coloco esta cenário com cerca de 5% de probabilidade, mas não é impossível. 

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Como se preparar

Em tempos de crise o petróleo, ouro e dólar podem ter apreciações muito fortes, e isto pode criar problemas para as empresas.

A solução, para quem depende de dólar, é fazer hedge cambial ou comprar dólar para garantir que se ele subir demais, alguma reserva a empresa já tem.

Outra possibilidade é tentar fazer contratos de combustível com preços pré-fixados, para evitar surpresas nas próximas semanas.

Finalmente, quando não se sabe ao certo o que vem por aí, deve-se preservar o caixa e proteger o capital em rendas fixas.

Uma estratégia de defesa contra uma potencial crise deve ser preparada, mesmo que seja apenas para não ter de utilizar a mesma.

Não é o momento de fazer grandes endividamentos e nem alavancagens pelas próximas semanas, até a situação ficar mais calma e definida.

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Paulo Vicente dos Santos Alves é professor da Fundação Dom Cabral, doutor em administração pela FGV.  Sua experiência profissional inclui os setores de Governo, Defesa, Aeroespacial, Educação e Energia. Já atuou em cursos internacionais pela Brown, CKGSB, HULT, INSEAD, ISB, John Hopkins, Kellog, NOVA SBE, Saint Gallen, Schulich, Skema, Skolkovo, UT Dallas, e Vlerick.




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