Para quem só ouviu falar em capitalismo selvagem, o conceito de capitalismo consciente pode parecer uma grande novidade. Mas é baseado nele que um crescente número de pessoas e empresas no Brasil e no mundo vem atuando. O Seja Relevante entrevistou a jornalista Daniela Garcia, CEO do Instituto Capitalismo Consciente Brasil (ICCB), que liderou o Fórum Regional de Capitalismo Consciente, realizado pela Filial Regional do Capitalismo Consciente, na Fundação Dom Cabral, em Belo Horizonte, no dia 18 de maio, e que discutiu a desigualdade no acesso à educação.

Daniela explica que o ICCB, criado no Brasil em 2013, tem hoje 5.500 pessoas físicas associadas e mais de 220 empresas contribuintes e parceiras, incluindo instituições de educação e negócios, como a FDC. Acompanhe.

Capitalismo consciente pode ser considerado capitalismo?

capitalismo consciente

Com certeza, sim. Capitalismo é um sistema econômico vigente há mais de 200 anos e que propõe na sua origem que a liberdade das nações dê a elas a possibilidade de gerar riquezas para todos os povos. É um sistema que proporcionou muitos avanços nos últimos 200 anos, muito progresso mundial. A gente pode olhar o globo desenvolvido como olhamos hoje, muito em função do capitalismo. Veja, por exemplo, os números de queda de pobreza extrema, analfabetismo, o aumento da longevidade, o aumento da expectativa de vida da população, o avanço da medicina, o acesso a toda a tecnologia, como a internet… Tudo isso foi proporcionado por um sistema econômico que deu liberdade para que as nações e a iniciativa privada pudessem atuar.

É verdade que o capitalismo também abriu grandes fissuras na sociedade e deu origem a grandes desigualdades. Desigualdades de distribuição de renda, de acesso à educação e aos alimentos. É por isso que quando a gente fala em capitalismo consciente, prega que a iniciativa privada seja atuante e protagonista na diminuição das desigualdades. Então, uma iniciativa privada que tenha propósito junto com o lucro, está orientada para ver as pessoas com um olhar muito mais apurado e também a cuidar do planeta.

Para que se faça uma transição para um mundo de baixo carbono, mas sem deixar ninguém para trás, têm se usado o termo transição justa. A ideia de transição justa está incluída no conceito de capitalismo consciente?

O capitalismo consciente tem quatro pilares. Uma empresa é capitalista consciente quando ela tem um Propósito maior e ela entende o motivo pelo qual ela existe. Isto está muito além do que ela produz ou do serviço que ela presta. O outro pilar é o de um líder consciente, que levanta a bandeira por esse propósito e a traz para o centro da estratégia de gestão. Também é uma empresa que tem uma Cultura consciente. Ou seja, toda a empresa fala a mesma linguagem e entende que precisa seguir com o propósito para um caminho de longevidade. E existe o quarto pilar, que é a Orientação para Stakeholders. Uma empresa não pode nascer para gerar lucro só para os shareholders, seus donos. Ela precisa fazer parte de um sistema, que é formado por vários stakeholders. Se o sistema não funcionar bem, ela não funcionará bem. Cada stakeholder deve ser tratado do seu jeito, criando-se uma relação de ganha-ganha-ganha, que gere valor. 

Quando a gente fala de transição justa, a gente fala não só de olhar para a empresa, compensar carbono e entender os seus mecanismos de emissão de gases de efeito estufa. É preciso também olhar para os escopos 2 e 3, onde está todo o seu consumo energético e a sua cadeia de fornecimento e de consumidores. Uma empresa capitalista consciente olha para tudo isso. Enfim, é uma empresa que entende que deve estar alinhada com todos os preceitos de ESG

Qual é a estrutura do ICCB atualmente?

O Instituto Capitalismo Consciente nasceu nos EUA em 2010 e chegou ao Brasil em 2013. Somos uma organização do Terceiro Setor. Portanto, temos uma governança que determina planejamentos estratégicos diferenciados e um conselho e presidência renovado a cada dois anos. No início, a nossa orientação para expandir o instituto era falar diretamente a fundadores e CEOs de empresas. Porque entendíamos que o capitalismo consciente era um conceito que precisava ser adotado pelo líder central, que o conduziria em ações junto a seus stakeholders. Mas o instituto não estava conseguindo sobreviver, havia pouca expansão. Então, em 2017, tivemos a chegada do Rony Meisler, fundador da Reserva, a marca de roupas, que foi muito aderente aos pilares do capitalismo consciente. Ele se tornou presidente do ICCB depois e fez uma remodelagem do instituto.

E como foi essa mudança?

A partir de 2017, passamos a ser um hub de entrega de conteúdo e repertório sobre capitalismo consciente. Então, todos os líderes de todos os tipos e tamanhos de empresa que desejassem entender mais e melhor sobre capitalismo consciente poderiam estar próximos do ICCB para aprender e receber repertório. Em 2018, começamos a construir um ecossistema de associados. Hoje somos 5.500 pessoas físicas e mais de 220 empresas contribuintes e parceiras. Para todas essas pessoas e empresas nós entregamos conteúdo, para que chegue às mãos de suas lideranças, e suas lideranças tenham cada vez mais líderes preparados para serem multiplicadores. 

Em 2020, nós instituímos o pilar da educação, criando certificações de capitalismo consciente para o líder. Nós não somos uma agência certificadora, portanto. Somos um movimento, que acolhe lideranças que queiram ser mais conscientes do seu impacto todos os dias. Isso vale para o presidente, para o vice-presidente e para toda a liderança das organizações.

Você mencionou a importância do ESG para as empresas capitalistas conscientes. Pode explicar como o ESG é aplicado de forma prática neste conceito?

capitalismo consciente

Dizemos que o capitalismo consciente é o primeiro passo para uma empresa ser ESG, pois um dos pilares do capitalismo consciente é o olhar para o stakeholder. Uma empresa que pretende ser ESG precisa olhar pra fora. Então, estar orientado para o stakeholder é a premissa inicial. Capitalismo de stakeholder com propósito é o significado do capitalismo consciente. 

Pode explicar melhor a afirmação de que “o capitalismo com propósito é um capitalismo consciente”?

O capitalismo pressupõe lucro. Toda empresa deve lucrar. Uma empresa que não lucra gera problemas inclusive para a sociedade, pois não paga bem os colaboradores, os impostos, etc. Mas o lucro não precisa estar dissociado do propósito. Pelo contrário: se estiverem juntos, teremos uma empresa que não só lucra, mas que olha de forma diferenciada para suas pessoas. O capitalismo saudável tem lucro, propósito e está orientado a cuidar de suas pessoas e do planeta, diminuindo desigualdades. É a empresa que sabe qual é o seu novo contrato social, é a empresa que sabe que tem que entregar para seus stakeholders parte da riqueza que ela tem com todos eles. Isso não é só pagar melhor, pagar dignamente. Isso é gerar riquezas. Por exemplo, quando se pega um conjunto de fornecedores e entrega certificações para que eles se tornem fornecedores melhores, se está ajudando esses fornecedores a serem melhores não para todo um segmento. 

Qual o papel da educação, principalmente a executiva, no capitalismo consciente? 

Ela é fundamental, dado que a educação fala com os futuros ou atuais líderes. Tratando-se do ensino médio, da primeira graduação, estamos falando da formação de líderes imediatos que precisam entender que os negócios precisam ser ganha-ganha-ganha. Já quando se trata de educação executiva, falamos de níveis mais aprofundados, direto para aqueles líderes que atuam já no seu dia a dia e que pretendem ser líderes cada vez mais conscientes de seu impacto nos negócios e na sociedade.

É como atua, por exemplo, a Fundação Dom Cabral, que por sinal tem professores certificados em capitalismo consciente. Hoje a FDC tem professores que são experts e multiplicadores de capitalismo consciente. São grandes parceiros nossos há muitos anos. A gente entende a educação executiva como fundamental para as grandes lideranças de todo o país. Os conceitos do capitalismo consciente são distribuídos dentro da Fundação Dom Cabral por multiplicadores, conselheiros e embaixadores do ICCB no Brasil. Eles levam conteúdo oficial de capitalismo consciente para dentro das aulas da FDC e são parceiros que muito nos honram, desde 2018.