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Marfin testa semana de 4 dias e CEO conta por que não funcionou

Experiência foi aplicada entre 2021 e 2022 na Marfin, mas problemas de comunicação com funcionários, clientes e stakeholders prejudicaram o processo

semana de 4 dias marfin Ivan Cordeiro Junior (Foto: Rafael Woellner – Divulgação)
por Redação novembro 30, 2023
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Entre 2021 e 2022, a empresa Marfin, de marketing digital, foi pioneira no Brasil ao aplicar a semana de 4 dias no trabalho. A ideia surgiu do fundador e CEO da empresa, Ivan Cordeiro Junior, após ler um livro que tratava do assunto. Os planos eram trabalhar 8h por dia, de segunda até quinta-feira, com a sexta-feira “livre” para concluir trabalhos ou simplesmente descansar. Mas a experiência não deu certo, principalmente, de acordo com Ivan, devido à comunicação com funcionários, clientes e stakeholders não ter sido clara, e a semana de 4 dias foi cancelada no começo de 2023. 

Nesta entrevista ao Seja Relevante, o executivo explica o que funcionou e o que não deu certo. Mas ele quer voltar a empreender a experiência quando a empresa estiver mais preparada. E avisa: “A vida é muito mais que só trabalho”. Acompanhe.

Estamos vendo experiências ao redor do mundo sobre a semana de 4 dias. Por que você decidiu implementá-la na sua organização?  

Decidimos implementar a semana de 4 dias na Marfin como um passo inovador e pioneiro para melhorar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal dos colaboradores, inspirados em modelos globais e um livro que li em 2019 (“Um Novo Jeito de Trabalhar”).  A Marfin sempre foi pioneira em implementar novas propostas de trabalho que melhorem o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. A semana de 4 dias já era acompanhada de outras iniciativas, como o Marfin Health, um programa de educação sobre pilares de saúde, como sono, alimentação e movimento.
É algo em que eu acredito profundamente: que a vida é muito mais que trabalho e que trabalhar mais não é sinônimo de mais resultados. Sempre priorizei a minha própria saúde mental e bem-estar no trabalho após sair de um burnout e depressão profunda. Eu quero o mesmo equilíbrio para todos que trabalham comigo.

Como foi a tomada de decisão para implementar a semana de 4 dias?

semana de 4 dias marfin
© – Shutterstock

A decisão foi tomada após uma análise detalhada dos potenciais impactos e benefícios. Nos preparamos intensivamente, mas reconhecemos que poderíamos ter envolvido mais ativamente nossas equipes na concepção do projeto, não apenas na ideação. Nós usávamos metodologias ágeis para gestão de projetos e comunicação. Semanalmente tínhamos uma reunião geral no estilo “all-hands”, onde o objetivo era “despressurizar” da semana de trabalho e ouvir a todos.  Quando sugeri a proposta em um desses encontros, começamos a discutir sobre como implementar. 

Folgar na segunda, na quarta ou na sexta? Conseguimos implementar um rodízio? Isso faz sentido?  Reduzimos um dia todo ou fazemos uma redução de 2h por dia? –  essas são algumas das perguntas que buscamos responder com base nos princípios e maneira de trabalhar da Marfin. Depois de ouvir a todos, inclusive aqueles que eram contrários à ideia da semana de 4 dias, decidimos implementar e continuar a semana de 4 dias com uma pausa na sexta-feira. Desde a concepção até a implementação, levamos cerca de um ano. Depois das discussões iniciais, eu pessoalmente encabecei a implementação e formas de monitoramento. 

O que deu certo e o que fariam diferente?

O que funcionou bem foi a atratividade da proposta para novos talentos. E uma clara satisfação geral em trabalhar na Marfin. Tivemos casos extraordinários de retenção de talentos. Por exemplo, um colaborador rejeitou um salário três vezes maior, de uma companhia americana, por priorizar o equilíbrio entre vida e trabalho. No entanto, faltou clareza na comunicação de expectativas e na estruturação do projeto. Se fosse refazer, eu priorizaria uma comunicação mais efetiva e um planejamento mais detalhado, envolvendo todas as partes interessadas desde o início.

Vocês consideram que foram pioneiros no mercado em que atuam, ou já era um movimento do setor? 

Consideramos que fomos pioneiros no Brasil, mas estávamos alinhados com uma tendência global crescente. Isso refletiu nossa disposição para inovar e experimentar novos modelos de trabalho. Além da semana de 4 dias, a Marfin nasceu 100% remota, quando ainda não se falava disso e haviam alguns poucos casos de empresas remotas no mundo.

Quais foram os resultados observados durante o período de teste da semana de 4 dias na Marfin? 

Observamos alguns resultados positivos, como o aumento na atratividade da empresa para potenciais colaboradores. O aumento no eNPS (Employee Net Promoter Score) também foi visto. Rodamos pesquisas de satisfação com as lideranças e com a empresa e os resultados gerais eram de 9.6 de 10 pontos. No entanto, enfrentamos desafios com a produtividade e o atendimento ao cliente e parceiros. Esta experiência foi fundamental para entendermos melhor as necessidades e capacidades da nossa equipe.

Em post no LinkedIn, você deixa claro que as suas expectativas não foram bem comunicadas ao time. Você gostaria que as pessoas usassem esse tempo, essa sexta-feira, como um dia de trabalho mais leve, sem tantas obrigações, e que isso retornasse à empresa no formato de novas soluções? Você ainda acredita que esse seja o melhor modelo ou pensa que um “day off” de fato faça mais sentido?

Os 3 principais problemas que eu identifiquei foram: (1) atendimento ao cliente. O cliente não quer saber se você trabalha na sexta ou não. Ele trabalha. E ele quer as coisas resolvidas no dia. Não trabalhar na sexta gerou muito atrito com clientes. (2) Faltou clareza minha sobre como usar a sexta. Eu queria copiar o Google em um projeto em que engenheiros usavam 20% do tempo para projetos pessoais (foi assim que nasceu o Gmail). Mas isso foi uma expectativa que ficou só na minha cabeça e eu me frustrei ao ver que as pessoas só tiravam folga mesmo (e elas não estavam erradas). (3) E, por fim, a produtividade caiu. O estudos mostravam que a produtividade aumentava quando as pessoas tinham esse dia extra, mas não foi o que aconteceu na Marfin. As coisas começaram a atrasar e não ser entregues, exceto por alguns dos profissionais que já tinham performance acima da média.
De maneira geral, faltou maturidade da gestão e da equipe. E eu precisava ter comunicado de maneira melhor e criado um projeto melhor.

Você pode falar mais sobre a perda de produtividade?

semana de 4 dias marfin
© – Shutterstock

A aliança de semana de 4 dias + trabalho remoto fez com que alguns poucos acreditassem que a empresa era um parque de diversões (foram pouquíssimos, mas esses poucos causaram muitas dores de cabeça para toda a equipe). Mas vamos voltar com a semana de 4 dias quando estivermos mais preparados. Para mim, o trabalho precisa ser gratificante e significativo. Deve nos desafiar a sermos melhores e nos levar além. Ele não pode drenar ou esgotar alguém. Por isso, qualquer coisa que possa melhorar a vida de quem trabalha comigo e ainda manter a empresa lucrativa, é válido de teste. Novamente: vida é muito mais que só trabalho.

A retrospectiva me mostrou também a importância da comunicação clara. A intenção era que a sexta-feira servisse tanto para descanso quanto para o desenvolvimento de projetos inovadores.  Em uma startup tudo muda muito rápido. E algumas pessoas eram um pouco mais ambiciosas com suas carreiras. Eu sugeri que aqueles que quisessem, poderiam criar novas ideias e desenvolver projetos que elas poderiam liderar dentro da Marfin e que a sexta-feira livre poderia ser usada para desenvolver esses projetos. Foi apenas uma sugestão.
No futuro, buscaremos equilibrar melhor essas expectativas, reconhecendo a importância do descanso e da inovação.

Se fosse para iniciar esse processo hoje, como faria para mitigar “erros”?

Para mitigar erros, iniciaremos com uma comunicação mais clara com todos os stakeholders (parceiros, clientes, colaboradores, investidores), um planejamento mais detalhado e uma abordagem mais adaptativa, progressiva e flexível, considerando o feedback constante de todos os envolvidos. Na prática, um piloto em uma pequena área sem envolvimento direto com o cliente e depois expansão para outras áreas. Nas áreas que possuem contato com parceiros ou clientes, adotaria uma abordagem mais flexível com rodízios e ou formatos diferenciados.

Qual é a dica de ouro que você daria para CEOs que estão no processo de implementação da semana de 4 dias?

O conselho de ouro seria: comunique claramente, envolva sua equipe no processo de decisão e esteja pronto para adaptar-se com base no feedback contínuo. Mas nunca deixe o medo te impedir de tentar algo novo.




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