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Gestão profissional pode salvar vidas, mostra médica da Rede D’OR

Médicos têm cada vez mais saído dos consultórios e direcionado suas carreiras para a gestão; mudança também ocorre em outras áreas

isabela werneck Isabela Werneck Cunha
por Redação julho 28, 2023
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Nos últimos anos, vem ocorrendo uma transição no gerenciamento da medicina, que passou a ter uma administração mais profissional e, portanto, tem demandado conhecimentos de gestão que, até há pouco tempo, os médicos não obtinham. Este movimento da medicina está em linha com o que ocorre em outras categorias profissionais, no sentido de demandar cada vez mais gestores capazes de entender tanto do negócio tecnicamente quanto administrativamente. 

Nesta entrevista, Isabela Werneck Cunha explana sobre esse ponto de vista. Coordenadora Médica da equipe de patologia da Rede D’ OR São Luiz, em São Paulo, ela cursa Executive MBA de gestão em negócios na Fundação Dom Cabral, e usa essa competência na sua empreitada na gestão de uma equipe com mais de 50 patologistas, além de ser uma das responsáveis pelo gerenciamento técnico composto por mais de 130 funcionários.

Acompanhe os principais trechos da entrevista.

Com formação técnica robusta, como surgiu a necessidade – e como foi a sua decisão – de avançar na educação executiva?

Nos últimos anos, vimos uma transição no gerenciamento da medicina que passou a ter uma administração mais profissional, demandando um conhecimento de gestão que nós, médicos, somos muito pouco (ou nenhum pouco) treinados e preparados durante nossa formação.

Devido à minha especialidade depender totalmente de um serviço laboratorial, vejo isto como uma pequena empresa, onde temos uma linha de produção, com diversos níveis técnicos, que precisam trabalhar de maneira orquestrada para que o resultado final seja o melhor possível, com margem mínima para erro. Hoje, preciso me preocupar com eficiência, custo, turnaround time e diversos outros termos que passaram a fazer parte do meu vocabulário.

Tenho coordenado algumas áreas dentro do laboratório ao longo dos anos, assim como participado de decisões de implantação de novos produtos e inovação.

Nos últimos anos passei a trabalhar em uma empresa, onde coordeno uma equipe médica de 50 patologistas, além de ser uma das responsáveis pelo gerenciamento técnico (hoje com pouco mais de 130 funcionários) e implantação de novas tecnologias, em uma área em franca expansão. Tais desafios não são novidades, mas adquiriram uma proporção e complexidade muito maior, me fazendo questionar minhas bases de gestão e gerenciamento.

Sendo assim, além da minha função como médica patologista, responsável por diagnósticos de precisão em oncologia, posso dizer que parte do meu dia a dia diz respeito a planejamento estratégico, análise de mercado, implantação e precificação de novos produtos, gerenciamento de equipe médica, resolução de problemas técnicos, dentre outras demandas. Tenho uma bela equipe administrativa trabalhando em conjunto, mas sinto falta de um conhecimento maior em gestão, para que eu transite com mais facilidade e segurança entre a área médica/técnica/acadêmica e o mundo dos negócios.

Foi por isso que decidi fazer um MBA na Fundação Dom Cabral: precisava ter uma melhor visão do mercado e do mundo corporativo, ampliando meus horizontes e permitindo um crescimento pessoal e profissional.

A gestão na medicina é diferente de outros mercados? Como você avaliou esta questão na hora de decidir pela educação executiva como complemento?

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Foto: Freepik

Primeiramente, a gestão da medicina atual é bem diferente da de alguns anos atrás. Ela tem se tornado cada vez mais profissional e isto tem trazido grandes impactos, tanto positivos quanto negativos, para toda a área. Nós, médicos, não temos nenhum contato com gestão durante a nossa formação. Este contato geralmente chega ao médico após formado, quando ele decide montar um consultório ou uma clínica. Para o médico que trabalha como empregado em hospitais ou clínicas, muitas vezes este conhecimento nunca chega, porque não há a demanda, mesmo sob o fato de que grande parte da classe médica trabalha como prestadora de serviços e não como CLT.

À medida que a gestão de clínicas e hospitais tem se tornado cada vez mais profissional, ela tem esbarrado diretamente com o atendimento do médico. Como médicos, estamos sempre em um conflito ético quando trabalhamos em empresas onde cortes de custos impactam na qualidade do atendimento prestado ao paciente. Entender o lado empresarial, e da gestão de uma empresa de saúde, pode ajudar o médico a identificar os desperdícios, auxiliando no planejamento de onde a redução de custos tem menos impacto na qualidade e, portanto, sendo menos prejudicial aos seus propósitos éticos e pessoais, e ao próprio paciente.  Um dos erros que vejo é a não inclusão do corpo médico hospitalar no planejamento estratégico.

A não inclusão dos médicos neste planejamento tem sido muitas vezes desastrosa, pela falha de comunicação entre gestores e médicos. Percebo que isto é mais potencializado quando os gestores que chegam não são médicos e não tiveram contato anterior com a área de saúde.

A ideia de fazer um MBA executivo e não um MBA em saúde é justamente sair desta área, na tentativa de melhor entender o mundo da gestão, e trazer novas visões e ideias de áreas externas. Vejo a oportunidade de somar áreas distintas, fazendo uma ponte entre elas e melhorando a comunicação como um todo.

Como líder em uma grande organização de saúde, como você avalia que as competências das suas formações técnicas e da formação executiva se complementam?

Acredito que o principal ganho é na comunicação entre os setores. Ao conhecer como pessoas com diferentes formações pensam, é possível traçar planos e estratégias com menos embates e menos conflitos entre as áreas. Muitas vezes, líderes de diferentes setores e formações não são parceiros entre si, apesar de o objetivo comum ser cuidar do paciente da melhor maneira possível, mas também garantindo a saúde financeira da empresa.  No final das contas, o que muda é o meio de como chegar lá e o embate entre área administrativa e médica reflete muito sobre o sucesso ou fracasso da empresa.

Temos visto como tendência o fato de que cada vez mais profissionais estão migrando para áreas de gestão. Você enxerga esse movimento também? E como a sua experiência profissional depõe nesse sentido?

Sem dúvida é uma tendência. Muitos fatores têm levado médicos a procurar cursos de gestão. Os motivos podem ser vários, indo desde a necessidade de conhecimento para gerir o próprio consultório ou clínica, como a real perspectiva de mudança de área. Muitas vezes, ao exercer um cargo de gestão, o médico acaba abandonando a prática da medicina em si. Viver ao mesmo tempo nos dois mundos é um grande desafio.

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Foto: Freepik

Vejo ainda um terceiro motivo, talvez desencadeado pela tendência à gestão profissional que a saúde tem mostrado nos últimos anos. Como falado anteriormente, este tipo de gestão tem impactado diretamente no atendimento do médico, que não estava acostumado a ver o seu trabalho “planilhado”. Entender como este mundo da gestão funciona, muitas vezes, como uma forma de diminuir conflitos internos e éticos do próprio médico. O conhecimento traz uma melhor capacidade de argumentação e diálogo com o gestor, o que é extremamente importante nas suas tomadas de decisões e avaliação do próprio propósito.

A gestão da medicina, com avanço da telemedicina desde a pandemia, inclui bastante tecnologia. Como você avalia isso e até que ponto os gestores do setor precisam se aprimorar sobre tecnologias digitais?

Sem dúvida a transformação tecnológica na medicina está num crescimento exponencial. Numa área onde a inovação pode ser decisiva entre vida ou morte, a incorporação de novas tecnologias, sejam elas mecânicas, químicas ou de dados –  como a aplicação da inteligência artificial – são extremamente bem-vindas. É fundamental que o gestor esteja ciente das novas tecnologias e dos avanços na medicina, tanto em novos tratamentos, quanto na redução de erros e riscos durante procedimentos médicos. A principal preocupação, hoje, diz respeito ao custo. A medicina é cara e será cada vez mais. Investir em tecnologia na área médica, muitas vezes, não traz um retorno financeiro proporcional pela dificuldade de ressarcimento. O futuro, neste aspecto, é muito preocupante, porque ampliará o abismo já existente entre a qualidade médica disponível e a qualidade médica acessível. Discussões sobre acesso à saúde de qualidade serão cada vez mais frequentes na sociedade.




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