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As externalidades da guerra na Ucrânia e os custos da reconstrução

Em artigo, Carlos A. Primo Braga e Douglas Lippoldt discorrem sobre os custos que ainda devem aparecer com a guerra na Ucrânia

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Por

Carlos Alberto Primo Braga

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A tragédia da guerra no Leste Europeu vem gerando repercussões globais. A tenacidade do povo ucraniano inspirou muitos países a oferecerem apoio à Ucrânia. A Câmara de Deputados dos EUA, por exemplo, recentemente aprovou um novo pacote de US$40 bilhões (10/05), elevando para US$53 bilhões o nível de ajuda militar e humanitária a ser concedido à Ucrânia. Desde a primeira onda das agressões russas em 2014, o conflito vem se traduzindo não apenas em custos humanitários, mas também em custos econômicos significativos. O final da guerra certamente abrirá um novo capítulo na história da Ucrânia.

O desafio de reconstrução do país é imenso. Como no caso do Plano Marshall, após a Segunda Guerra Mundial, uma abordagem coordenada com base na participação da sociedade ucraniana e na ajuda internacional será necessária para viabilizar a reconstrução e promover o estabelecimento de instituições que permitam um crescimento sustentado.

Como observado por George Marshall em 1947, a assistência internacional deve promover “a cure rather than a mere palliative” (discurso na Universidade de Harvard, 5/06/1947). Em consonância com os desejos do governo ucraniano e de uma resolução preliminar do Parlamento Europeu, o acesso da Ucrânia à União Europeia deve ser elemento central dessa estratégia.

Quais são as dimensões econômicas da guerra na Ucrânia?  

As estimativas dos custos econômicos da guerra são preliminares, dadas as dificuldades de acesso às informações em meio ao conflito. O Banco Mundial, por exemplo, estima que a economia ucraniana poderá contrair cerca de 45% em 2022. Ainda que o peso relativo da Ucrânia na economia mundial (0,2% do PIB mundial; US$156 bilhões) seja pequeno, o impacto global do conflito – levando em conta a contração da economia russa que será da ordem de 8,5% em 2022, de acordo com o FMI – deve se traduzir em uma redução do crescimento do PIB global de 0,8 a 1% nesse ano.

Um componente importante dessa desaceleração econômica diz respeito às implicações da guerra e das sanções econômicas sobre o comércio internacional. A Organização Mundial do Comércio (OMC) estima que o volume do comércio em mercadorias irá expandir cerca de 3% em 2022, uma redução significativa em sua previsão antes da guerra, que era de 4,7%. 

Os mercados de energia e de produtos agrícolas são os mais afetados. A Rússia é responsável por cerca de 19% do gás natural e 11% do petróleo produzido globalmente. Além disso, Rússia e Ucrânia respondem por cerca de 1/3 das exportações globais de trigo, bem como por proporções substantivas de outros produtos agrícolas (como milho e óleo de girassol). O comércio internacional de produtos como fertilizantes, níquel e paládio também está sendo afetado significativamente. As implicações dos aumentos de preços de commodities já vem impactando a inflação em vários países ao ponto do FMI prever um aumento de 2,5% na inflação global em 2022. 

Cabe observar que conflitos geopolíticos tipicamente não têm implicações duradouras para mercados financeiros. Se analisarmos os principais choques geopolíticos desde o ataque a Pearl Harbor em 1941, o desempenho da bolsa americana (S&P500), a despeito de uma correção inicial, recuperou-se após doze meses. A principal exceção a essa “regra” foi a guerra do Yom Kippur, em outubro de 1973, entre países árabes e Israel, centelha para a decisão da OPEP de boicotar países ocidentais que apoiaram Israel. Em suma, quando conflitos geopolíticos afetam o preço de energia as repercussões econômicas tendem a ser mais significativas. O conflito atual, com a sua influência nos preços de energia, pode ter um impacto global ainda mais substantivo, como ilustrado pelo comportamento de mercados financeiros das últimas semanas.  

Estimativas de custos para a Ucrânia

As estimativas disponíveis sobre o impacto da guerra na economia ucraniana são ainda preliminares e variam em termos de metodologia e período de análise. O governo ucraniano estimou o impacto econômico no primeiro mês da guerra em cerca de US$565 bilhões, contabilizando a destruição de sua infraestrutura e a perda de crescimento potencial. Análises acadêmicas que consideram não apenas o impacto na Ucrânia, mas também as implicações das sanções econômicas impostas à Rússia e à Bielorrússia, estimam que o custo da guerra poderá atingir US$2 trilhões.   

Evidentemente é impossível calcular com precisão os custos da guerra nesse momento. Além dos danos à infraestrutura, o impacto no capital humano do país (mortes, educação descontinuada, stress pós-traumático, emigração forçada, entre outros), a perda de produção em meio ao conflito e as implicações para as decisões de investimento sugerem que os custos serão altos.

Como pagar pela reconstrução da Ucrânia?  

O tamanho do desafio é tão significativo que certamente exigirá uma combinação de fontes de financiamento, como doações e empréstimos subsidiados, para preencher as necessidades da reconstrução. Como já mencionado, a ajuda internacional inspirada no Plano Marshall do pós-Segunda Guerra Mundial poderá ser um dos mecanismos para transferir recursos para a Ucrânia. Instituições multilaterais certamente terão um papel importante nesse processo, seja para evitar crises de balanço de pagamentos (FMI), seja para financiar a reconstrução (Banco Mundial, EBRD e outras instituições multilaterais). 

uniao europeia
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A União Europeia (UE) tem uma larga experiência com operações de apoio (assistência técnica e financiamento) a países do Leste Europeu, como a Polônia e os Países Bálticos, no contexto de adesão desses países à UE. A expectativa é de que a UE poderá ter um papel central nesse processo, caso a Ucrânia confirme o seu interesse em se tornar membro da União. É importante reconhecer que esse será um processo longo e difícil dada a fragilidade das instituições ucranianas (inclusive no que tange ao combate a corrupção).

Outras fontes de financiamento podem ser exploradas no contexto das sanções já impostas e através de novas sanções sobre as exportações de energia da Rússia. Ativos de plutocratas russos (dinheiro, iates, aviões, obras de arte e afins) vêm sendo apreendidos em vários países; a UE, por exemplo, já “congelou” cerca de US$30 bilhões de oligarcas russos. Cabe assinalar, porém, que a possibilidade de se canalizar tais recursos para a reconstrução ucraniana ainda irá requerer um longo processo judicial. Da mesma forma, a possibilidade de utilização das reservas russas congeladas no exterior (cerca de US$350 bilhões) para reparações de guerra também enfrentará uma trajetória difícil do ponto de vista legal, muito embora alguns analistas considerem que decisões passadas da ONU ofereçam precedentes para tal prática.

Uma outra possibilidade a ser explorada seria a introdução de novas sanções sobre as exportações de energia russa, exigindo que o pagamento por essas exportações seja administrado por uma instituição neutra (por exemplo, uma agência da ONU). Pagamentos dos importadores seriam depositados em uma conta “scrow”, com uma parcela destinada a um fundo de reconstrução da Ucrânia. Uma experiência relevante nesse contexto diz respeito ao Chad, onde o Banco Mundial apoiou o desenvolvimento do setor de energia do país com a condição de que 10% das receitas geradas pelas exportações fossem depositados em um fundo para desenvolvimento nacional. 

Considerações finais

Um outro efeito indireto da guerra diz respeito a suas implicações para a governança global, como discutido em C.A. Primo Braga, 2022, “A Nova (Des)Ordem Mundial,” Valor Econômico (25 de abril). Nos casos em que decisões são feitas com base em consenso (como no Conselho de Segurança da ONU, na OMC e no G20), o conflito exacerba tensões, dificultando a tomada de decisões. 

Um caso relevante diz respeito ao uso crescente de medidas discriminatórias com base em critérios de segurança nacional contra a Rússia (Artigo XXI do GATT). Isso “envenena” o clima para negociações na OMC e tornará ainda mais difícil obter resultados na próxima Conferência Ministerial da OMC em junho. Da mesma forma, a Indonésia, que no momento tem a presidência do G20, terá uma “missão impossível” de administrar a lista de convidados para a reunião de cúpula do G20 no final do ano.

É importante, no entanto, começar a planejar como financiar a reconstrução da Ucrânia. O tamanho do desafio é enorme, mas investir nesse processo é importante para o futuro da economia mundial e para o restabelecimento da paz de forma sustentável.

* Carlos Alberto Primo Braga é professor da Fundação Dom Cabral e Douglas Lippoldt é sênior fellow do Centro para a Inovação em Governança Internacional do Canadá(*)




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