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Brasil pode ser protagonista no mercado de carbono

À espera do projeto de lei do mercado regulado de carbono, especialistas traçam expectativas acerca de uma nova economia verde

mercado de carbono © - Shutterstock
por Redação outubro 25, 2023
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Estima-se que 55% do PIB mundial já participe, de alguma maneira, dos mecanismos regulados de créditos de carbono. Nesse ambiente, diversos países e regiões já têm as suas legislações estabelecidas, sendo que a Europa, com o Mecanismo de Ajuste de Fronteira de Carbono (CBAM, da sigla em Inglês), é a mais conhecida. Na América Latina, apenas o México já avançou na regulação, mas a Colômbia e o Brasil estão em vias de fazer o mesmo. Aqui, as expectativas aumentaram desde que o Projeto de Lei (PL) 412/2022 foi aprovado pelo Senado Federal e caminhou para a Câmara dos Deputados, no início de outubro. Se validado, o texto-base que estabelece o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) é aguardado pelo Governo Federal, que chegou a manifestar o interesse em aprovar a regulação antes da 28ª Conferência do Clima (COP 28), que acontece em Dubai a partir de 30 de novembro.

Em evento dedicado ao tema em São Paulo, no dia 10 de outubro, a Iniciativa Imagine Brasil, da Fundação Dom Cabral, discutiu aspectos do texto em questão, e especialistas do mercado e de instituições como Fiesp, Banco Mundial e BNDES trataram dos desafios e oportunidades à vista.

PL do mercado de carbono é bem visto 

Aldemir Drummond, professor da FDC e coordenador do Imagine Brasil, resumiu que o mercado regulado de crédito carbono pode trazer oportunidades ao país, como é o caso da captação de investimentos de empresas que vão ter de desenvolver tecnologias e modelos de negócios para esse mercado. Soluções baseadas na natureza, como o manejo de florestas, segundo ele, também despontam promissoras, pois têm potencial de geração de créditos de carbono. “Já no setor educacional, há a oportunidade de preparar os profissionais para esse mercado”, disse.

Aldemir Drummond/ Foto: Fabio Chialastri

Mais do que as oportunidades isoladas, foi consenso entre especialistas que o mercado regulado de carbono pode ser economicamente positivo para o Brasil. Isso porque teríamos vantagens comparativas importantes na nova economia verde, algo que estaria relacionado à nossa grande extensão territorial, ao clima tropical e à riqueza e variedade de solo. 

“A integração das soluções baseadas na natureza no mercado regulado de carbono pode dar uma flexibilidade extra para o Brasil, ao permitir uma oferta adicional para ser consolidada com as metas do sistema”, disse Fábio Marques, diretor da C-Quest Capital. Segundo ele, o SBCE pode ser o primeiro, com potencial de aplicação em larga escala, a incrementar o uso da terra e florestas no mercado de carbono. 

Apesar de pioneira para mercados regulados, contudo, considerar remoções de carbono não é algo desconhecido no Brasil, pois a própria metodologia da Organização das Nações Unidas (ONU) – da qual Fábio participou da criação no início deste século – teria sido baseada na nossa experiência. 

Inventário de emissões precisa de avanços no mercado de carbono

Guido Penido, consultor do Banco Mundial e um dos principais especialistas nacionais sobre o tema, explicou que o perfil de emissões brasileiras é diferente do resto do mundo, com uma grande representatividade da agricultura, florestas e outros usos do solo. Segundo o Observatório do Clima, em 2021 as atividades ligadas ao uso da terra – o que inclui, principalmente, o desmatamento e o setor agropecuário – representou 74% das emissões do país.

Apesar disso, no que diz respeito ao mercado de carbono, a indústria e o setor de energia brasileiros saem na frente, gerando resultados que, inclusive, ajudam a equilibrar as emissões das outras áreas produtivas. “O PL 412/2022 visa implementar a regulação doméstica do sistema de comércio de emissões, sob o racional de cap and trade, com um sistema mandatório de mensuração, relato e verificação organizacional de emissões de gases de efeito estufa. O projeto de Lei também traz definições sobre o desenho dos instrumentos e um arcabouço institucional para a implementação e a sua respectiva tributação”, disse Penido. 

O texto em trâmite prevê uma implementação gradual, que, pelas contas do especialista do Banco Mundial, pode levar de cinco a oito anos. O material inclui, a princípio, limites de 10 mil toneladas de CO2 equivalente (tCO2e) e 25 mil tCO2e para a regulação, mas exclui as atividades primárias, como plantação e colheita e criação de gado, do setor agropecuário. A exclusão, feita durante o trâmite do texto no Senado Federal, teria o intuito de resguardar o setor das incertezas sobre as metodologias de medição sobre o uso do solo, já que as técnicas existentes não seriam críveis. 

Marco Antonio Caminha, assessor de relações institucionais e consultor em sustentabilidade e meio ambiente da Fiesp, defendeu que a agropecuária não teria características para atuar no modelo cap and trade. Além disso, esse setor poderá participar do mercado regulado nas outras atividades – que não a primária – e a Fiesp entende que a agropecuária reduz as suas emissões por meio de outros instrumentos, como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). “Por outro lado, precisamos avançar na metodologia nacional para calcular as emissões desse setor. Ela está parada na Embrapa há uns 15 anos”, declarou.

Para Guido Penido, independente do setor, é importante deixar claro que a precificação de carbono é apenas um dos mecanismos necessários para mitigar as mudanças climáticas, mas não o único e, tampouco, o principal. Ao contrário, o especialista defendeu que ela deve ser combinada a outras políticas de mitigação. “Como as tecnologias para o processo de descarbonização podem ser caras ou ainda não existem, é necessário reduzir esse custo, enquanto as outras soluções possíveis se tornam efetivas. Portanto, há barreiras que não são apenas econômicas, mas também informacionais”, disse. 

Guido Penido/ Foto: Fabio Chialastri

No Brasil, ele avalia que há uma cultura de controle político para adoção de tecnologias e também para a repressão do desmatamento ilegal, e a precificação de carbono entraria justamente nesse “pacote”. “Ou seja, o mercado regulado de carbono nada mais é do que a internalização dos custos sociais gerados pelas emissões de CO2e, além dos custos privados de produção”, classificou.

Precificação do mercado de carbono

Nesse aspecto, a precificação do carbono tem algumas missões prioritárias, a começar pelo direcionamento da demanda dos consumidores para produtos menos intensivos em emissões. “Ela também direciona investimentos para projetos e tecnologias com menor intensidade de carbono, oferece incentivos para a inovação tecnológica de baixo carbono e funciona como um mecanismo de custo efetivo para a mitigação de emissões, sendo ainda um instrumento para reduzi-las ao menor custo agregado possível”, detalhou Penido.

Esse ganho de eficiência, explicou ele, pode ser alcançado através de diferentes parâmetros de redução de emissões para empresas que são reguladas pelo governo. “Há diversas formas de precificação, como tributos sobre o carbono, sistemas de comércio de emissões (mercado regulado) e sistemas híbridos, como o Renovabio. Também existem os sistemas de créditos de carbono que dão origem aos mercados voluntários”, explicou.

Atualmente, haveria 36 sistemas de comércio de emissões implementados, e eles cobririam quase um quinto das emissões globais de GEE. Os preços ainda são voláteis, especialmente no sistema europeu, que é o mais antigo do mundo – criado em 2003 – e que chegou a quase 100 dólares por tonelada de CO2e emitida recentemente, segundo Penido. 

Devido à volatilidade, o especialista avaliou que os créditos de carbono ainda estão longe de ser commodities, com a constatação de preços que foram de 1 dólar aos citados 100 dólares no mercado. “Em 2021, os créditos do setor florestal foram maiores em volume e valor, mas em 2022 houve um arrefecimento, devido a fatores geopolíticos, como a guerra na Ucrânia e a consequente crise energética na Europa”, destacou.

Marco Antonio Caminha, da Fiesp, acrescentou que os principais mercados regulados de carbono, além do Europeu, incluem a Califórnia (EUA), Quebec (Canadá), Tóquio (Japão), México e Coreia do Sul. “Para a Fiesp, os sistemas regulados incentivam projetos de redução de emissões e estimulam a inovação. Além disso, o sistema regulado permite que setores menos emissores se tornem mais competitivos em relação aos setores mais emissores”, disse.  É importante, na visão do especialista da Fiesp, equilibrar a oferta e a demanda, além de se estabelecer regras transparentes para a entrada de offsets no mercado regulado e para o fluxo de capital para projetos de baixa intensidade. 

Marco Antonio Caminha/ Foto: Fabio Chialastri

Em relação ao escopo do PL 412/2022, a Fiesp considera que os limites de emissões estabelecidos estão muito baixos. “Nos limites de 10 a 25 toneladas de CO2e, teremos entre 4 e 5 mil organizações abrangidas. O governo não possui capacidade de fiscalização para isso. Portanto, antes da implementação das leis, seria necessário estabelecer regras de inventário e relatórios, coleta de dados e discussão sobre as regras de entrada no mercado regulado, possivelmente considerando o tamanho dos emissores, entre outros fatores”, disse.

“O dinheiro fala alto”

Cláudia Prates, chefe do departamento de clima do BNDES, destacou que os bancos têm o desafio de descarbonizar seus balanços nos três escopos do GHG Protocol, e que o BNDES financia projetos que contribuem nesse sentido. “Apesar de ser um país em desenvolvimento, o Brasil é o quinto maior emissor do mundo e precisa descarbonizar as suas atividades. O engajamento dos bancos é fundamental para isso, pois o dinheiro fala alto”, disse. “Nesse sentido, o BNDES, que já olhava para questões socioambientais no passado, agora está voltado para o desafio climático, considerando não apenas as emissões financiadas, mas também os riscos climáticos”, completou.

Segundo a executiva, diferentemente de outros países, a indústria representa apenas 15% das emissões brasileiras, o que se deve, principalmente, ao uso de energias renováveis. “O desmatamento – incluído nas questões de uso da terra – portanto, é a maior fonte de emissões do país. Essa constatação torna mais fácil direcionar os investimentos para as soluções de descarbonização”, avaliou. 

O mercado regulado de carbono, segundo Cláudia, é uma das frentes para esse avanço, sendo que o PL em discussão traz ajustes importantes para permitir que o potencial de redução de emissões e captura de carbono seja melhor aproveitado no Brasil. “Com o avanço do mercado regulado, o mercado voluntário também é influenciado, pois quando há regulação, metas e maior transparência, os créditos de carbono têm maior qualidade [e melhor valor]”, disse.

A executiva ponderou que o mercado regulado de carbono vai exigir um trabalho intenso para definir o teto e a distribuição mundialmente. Mas o Brasil precisa não só participar desse processo, como se tornar um líder e protagonista dele. “O país tem boas oportunidades de gerar empregos verdes e ter uma economia com novas receitas, tanto com as soluções baseadas na natureza, quanto com os biocombustíveis”, disse.

Para ela, apesar de renovável, a energia elétrica do Brasil não é barata, e isso, junto a outros aspectos do chamado custo Brasil, prejudica a competitividade. Além disso, o mercado de carbono tende a ser inflacionário, gerando custos extras que podem prejudicar ainda mais a nossa competitividade. “No entanto, a indústria tem possibilidades de descarbonização. O Brasil importa produtos químicos com maior teor de carbono, o que torna o biometano, por exemplo, mais carbono intenso do que aquele produzido com uma matriz energética sustentável. Em outras palavras, precisamos pensar em formas de melhorar a nossa competitividade com esse novo universo”, provocou.

Ainda na visão dela, o país deve se tornar mais vocal em defesa das suas iniciativas de descarbonização. Em relação aos biocombustíveis, por exemplo, ela defendeu que precisamos desmistificar a ideia de que eles vêm de áreas desmatadas. “Devemos avançar com as metodologias de cálculos de emissões na agropecuária, para demonstrar que as atividades brasileiras emitem menos carbono”, afirmou.

Bruno Carazza, Cláudia Prates, Guido Penido, Marco Antonio Caminha e Aldemir Drummond/ Foto: Fabio Chialastri

A Europa não considera os biocombustíveis para a indústria como uma forma de descarbonização, explicou Cláudia, e isso ocorre unicamente porque, no velho mundo, o foco de descarbonização é a energia. “Acontece que o Brasil já fez a sua matriz de energia renovável no passado, e a nossa agroindústria pode chegar a ser negativa em carbono se trabalharmos para isso”, disse. “Até 2050, portanto, temos um caminho a percorrer com os mercados regulado e voluntário de carbono, e o Brasil pode ser protagonista, em uma rota de desenvolvimento, geração de renda e emprego”, concluiu.




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