A crise sanitária trazida pela pandemia de Covid-19 mudou muita coisa. O trabalho tradicional, por exemplo, ganhou nova roupagem com os modelos híbridos que envolvem o home office. O mesmo acontece com as iniciativas de ajudar quem mais precisa e o País começa a entender a cultura da doação. O primeiro passo para saber como ela funciona é diferenciá-la da cultura assistencialista, porque são duas coisas completamente diferentes.

De acordo com Joana Mortari, diretora da Associação Acorde e articuladora do Movimento por uma Cultura de Doação, o assistencialismo ocorre quando uma pessoa empoderada entrega algo com a intenção de manter o outro, mais vulnerável, no lugar de agradecimento e, portanto, de dependência. Trata-se de um costume arraigado no Brasil, mas que agora pode ser substituído por uma outra forma de pensar.

E esse novo modo de encarar o processo é a cultura de doação, um movimento mais horizontal, no qual as pessoas entendem que doar faz sentido para elas como cidadãs. “Doar comida, por exemplo, não é uma ajuda. É um cuidado necessário agora, e existem pessoas que entendem que podem contribuir para eliminar essa necessidade de outras”, explica Joana, estabelecendo uma diferença entre os dois tipos de atitude.

Brasil melhora no ranking de doação e pode ir mais longe

O Brasil, aliás, vem melhorando nesse aspecto. O País foi o 54º mais solidário em 2020, subindo 14 posições em relação aos dados de 2018 e 20 posições em relação a sua posição média nos últimos 10 anos. Os dados são do World Giving Index, uma iniciativa da organização britânica Charities Aid Foundation (CAF), representada no Brasil pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS).

Com a pandemia, a pesquisa que o World Giving Index realiza alcançou o recorde de pessoas que relataram ter ajudado um desconhecido em 2020: mais da metade (55%) dos adultos do mundo. O Brasil também atingiu seu recorde neste indicador, com 63% de brasileiros ajudando um estranho. E mais: 26% dos brasileiros doaram para uma organização, o melhor número nos últimos cinco anos.

Os pontos destacados na edição 2021 mostram os impactos da pandemia em países ocidentais que sempre lideraram o ranking, como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Irlanda, além de outros locais que aparecem pela primeira vez no top 10 do ranking de generosidade, como Quênia, Nigéria, Gana e Uganda. O país mais generoso foi a Indonésia.

Editora MOL criou um modelo de doação

Rodrigo Pipponzi, neto do fundador da Droga Raia – hoje o grupo Raia Drogasil – é outro entusiasta do tema. Cofundador da editora de impacto social MOL, ele defende mais atuação da classe privilegiada para gerar um país mais solidário. Pipponzi, que cresceu em um ambiente privilegiado, com acesso a uma vida que a maioria dos brasileiros não têm, decidiu empreender na busca por diminuir a diferença entre os brasileiros. Hoje, ele é praticamente um ativista da cultura de doação e acredita que essa é a melhor forma de ajudar o Brasil a melhorar.

“Não vai ter Brasil próspero sem cultura de doação”, afirmou no podcast Diálogos FDC #95, produzido pela Fundação Dom Cabral (FDC). Para ele, doar deveria ser como votar, um direito cívico. “Não tem ato mais eficiente para a distribuição de renda no Brasil, pois é rápido e direcionado”, defende Pipponzi, argumentando que a doação é rápida e direcionada para as causas que precisam.

Esse é o pensamento da Editora MOL, que conta com 14 parceiros para produzir conteúdos impressos que tenham seu lucro revertido a causas sociais. Entre livros, revistas e outros artigos impressos, a editora já conseguiu distribuir R$ 43 milhões em 13 anos, segundo seu cofundador. A intenção é criar uma cultura de ganha-ganha com quem apoia e baseado na fidelização pelo conteúdo do material produzido.

A empresa de impacto social aposta em parcerias com varejistas para que esses produtos cheguem até o consumidor. Foi assim que começou a história da MOL, quando criou a revista Sorria e vendia nas Drogas Raia, instituindo um modelo de negócio que já é replicado no País, segundo Pipponzi. A ideia é de que o produto esteja onde as pessoas estão e, junto com um preço mais baixo, traga uma ligação com seu consumidor.

Empresas podem impulsionar a cultura de doação

Pipponzi entende que o papel da Editora MOL é usar todas as ferramentas que tem, incluindo as parcerias, para criar um país mais solidário para que se entenda o valor da doação. “O Brasil tem uma cultura de doação de emergência, de doação na hora do aperto”, explica. “O modelo criado pela MOL gera uma diferença, da pessoa sempre estar lá ajudando”, explica. A doação recorrente, aliás pode ser feita a partir de redes sociais e de meios de pagamento digitais, além de programas de voluntariado. 

Para o cofundador da MOL, a cultura da doação pode ser incrementada com a participação corporativa. E há uma explicação: as empresas têm público para isso e podem impulsionar não só seus clientes, mas seus colaboradores a agir. Pipponzi lembra que somente os 14 parceiros da MOL têm mais de 100 mil funcionários com potencial para influenciar outras pessoas. Ele ainda defende que, quando as empresas querem, elas podem fazer a diferença, citando o papel da Natura na Amazônia.