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Dez acontecimentos que podemos esperar de 2023

Paulo Vicente, professor da Fundação Dom Cabral, traça cenários econômicos, políticos e sociais no Brasil e no mundo

esperar em 2023 © - Shutterstock
por Redação abril 4, 2023

A guerra da Ucrânia continuará gerando impactos sociais e econômicos em 2023, e os cenários ainda permanecem incertos. Já o Brasil, pós-eleições, deve mostrar um viés mais conservador. Essas são algumas das conclusões de Paulo Vicente dos Santos Alves, professor da Fundação Dom Cabral com passagem por diversos setores de governo, defesa, aeroespacial, educação e energia.

Professor Paulo Vicente

Acompanhe, a seguir, as principais perspectivas traçadas por ele para 2023.

  1. Cenário Político
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Em 2023, a invasão da Ucrânia pela Rússia deve continuar, e isto levará a rearranjos geopolíticos, à medida que a esfera de poder russo se enfraquece e também ocorre uma crise energética na Europa, por conta da dependência de gás russo. Ao mesmo tempo, a China enfrenta crises internas com a transição para a eliminação da política de ‘COVID zero’ e a ameaça de uma crise no setor imobiliário. Em paralelo, o Irã vive uma revolta popular contra a opressão do governo. 

No caso da guerra da Ucrânia, entre fevereiro e dezembro de 2022 a capacidade ofensiva russa foi muito degradada. A logística russa, que já era limitada, ficou ainda mais complicada por conta do aumento nas distâncias que os depósitos de munição têm de estar da linha de frente para evitar ataques do sistema HIMARS (sistema lançador de foguetes dos EUA).

A capacidade de apoio aéreo também ficou reduzida por conta da falta de manutenção adequada num conflito prolongado.

Esses fatores se juntaram às perdas de homens e equipamento, e transformaram o exército russo numa força que opera como se estivesse na Primeira Guerra Mundial, ou seja, numa guerra de atrito.

O Exército Ucraniano, por sua vez, conseguiu se manter operacional, graças ao apoio continuado da OTAN, em particular dos EUA e Reino Unido.

A probabilidade maior em 2023 é de que a guerra continue com avanços da Ucrânia retomando o território ocupado aos poucos e o sistema militar russo entre em colapso logístico, forçando a recuos para fora da Ucrânia. Ou seja: voltando à situação de antes de 2014.

A ameaça russa de escalada para uso de armas nucleares táticas não pode ser desconsiderada, mas é pouco provável de ocorrer. Além disso, quase certamente resultaria numa retaliação por parte da OTAN. Este é um risco que os russos dificilmente estarão dispostos a correr.

  1. Volta da Guerra Fria

A “volta da Guerra Fria” alterou o ambiente, com um novo entendimento de risco militar. Por cerca de 30 anos, houve uma “longa trégua”, na qual a percepção de risco militar era baixa e se acreditou que não haveria mais guerras de grande porte. Progressivamente, aumentou-se a dependência econômica de ditaduras onde a comodidade de baixos custos de mão de obra das commodities fez muitos “olharem de lado” para os abusos autoritários, permitindo um aumento do risco sistêmico.

Tudo isso se modificou com a invasão da Ucrânia. 

O entendimento agora é de que o risco militar não é desprezível e a forte dependência das economias ocidentais da Rússia e China estão forçando um realinhamento das cadeias globais de valor. Nesse sentido, as cadeias devem se alterar nas próximas décadas, em busca de um melhor equilíbrio de custos e riscos. 

  1. Programa de incentivo nos EUA
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Ao mesmo tempo, a inflação, que já era certa em 2022, piorou significativamente, em particular por conta de custos de energia. Isto levou a recordes de inflação e de juros.

O Federal Reserve Bank (FED) subiu os juros ao longo de 2022 e vem sinalizando que os irá manter elevados até que a inflação dos EUA volte a um patamar de cerca de 2 a 3%, o que possivelmente ocorra ao final de 2023.

Os ciclos de Kondratieff predizem que a reação do sistema a uma crise é justamente o aumento do investimento em tecnologia. Isto pode ser balizado pelo programa Artemis, que fez seu primeiro voo de teste com perfeição no final de 2022 e pretende levar ao pouso tripulado na lua em 2025. 

O governo dos EUA acelerou seu programa de incentivo à indústria para os EUA com o Chips and Science act of 2022, que prevê cerca de US$ 280 bilhões em fomento industrial para semicondutores. Além disso, está tramitando no congresso dos EUA o ‘Innovation and competition act’ para investir mais US$ 250 bilhões em tecnologia.

O Department of Defense (DoD) aumentou significativamente sua autorização orçamentária para 2023 em RDT&E (Projetos de Pesquisa, Desenvolvimento, Teste e Avaliação). O aumento nos últimos cinco anos foi de US$ 84,4 bilhões em 2018, para US$ 131,5 bilhões em 2023 (50% mais) 

  1. Economia russa

No médio prazo, talvez não em 2023, é possível que a Rússia entre num processo de convulsão interna, e numa guerra civil aos moldes da de 1917-1922, e que uma secessão de algumas partes ocorra, tais como a Sibéria e a região do Pacífico. 

A economia russa deve continuar a sofrer por falta de acesso a semicondutores, falta manutenção adequada da estrutura dutoviária, e falta de investimento estrangeiro.

Para as empresas brasileiras, a Rússia deve continuar a ter problemas para importar, mas a percepção de risco alto em todo o leste da Europa induz ao redirecionamento de investimentos para a América Latina. 

  1. China com crise interna e riscos externos
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No final de 2022, Xi Jinping foi reeleito para mais um mandato, e uma série de protestos forçaram o abandono da política de “COVID zero” que a China vinha adotando. Isso deve levar o país a um início de ano conturbado, com uma onda de Covid-19 que pode atingir boa parte da população. Tal situação pode se desdobrar em crises que vão desde falta de peças manufaturadas, até gargalos logísticos, queda nas importações e piora na crise imobiliária chinesa. 

O pior risco é do governo chinês decidir por criar crise externa, para desviar a atenção da crise interna. Neste caso, um conflito com Taiwan, Índia, ou no Mar do Sul da China são as principais possibilidades e, se ocorrerem, podem acelerar a busca das empresas de todo o mundo por alternativas fora da China. 

  1. Brasil busca equilíbrio fiscal e político

As eleições de 2022 confirmaram a tendência de o eleitorado ficar cada vez mais conservador no Brasil. Isto se deve a uma população que vai ficando mais velha, mais rica e mais evangélica.  Por vezes, isto é descrito como uma tendência “BBB” (Bala, Boi e Bíblia).

O reflexo desse movimento está em um Congresso Nacional bastante conservador e em diversos governadores também alinhados ao conservadorismo. Porém, para o governo federal, foi eleita uma aliança progressista, que une diversas linhas políticas.

Isto aponta para uma disputa de poder que deve criar desequilíbrios fiscais e políticos, criando uma situação instável.

Soma-se a isso o fato de que o judiciário tem aumentado seu poder, em relação aos outros poderes. Em particular o STF, um fenômeno que já ocorreu em outros países e tem sido denominado de ‘Juristocracia’.

O mais provável desdobramento é de um governo fraco, que tenta criar alinhamento político através de aumento de gastos, e com isso cria um desequilíbrio fiscal, ao buscar o equilíbrio político.

  1. Inflação e juros altos no planeta
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No campo econômico, o ano será marcado pela volta da estagflação, e talvez uma recessão. Mas também por duas tendências que vieram para ficar por muitos anos: a busca da Europa por uma nova matriz energética e a redistribuição das cadeias globais de valor.

Os bancos centrais do mundo inteiro estão subindo os juros desde o começo de 2022, e devem mantê-los altos por todo o ano de 2023, para combater a inflação. 

Isto deve reduzir a atividade econômica no mundo inteiro, e fazer cair as receitas de empresas, e, consequentemente, os seus valores estimados. Por consequência, as bolsas de todo o mundo devem cair. 

O cenário mais provável é o de um período de estagnação econômica com inflação alta, ou estagflação.

A recomendação é a de manter o caixa como mecanismo de defesa e investir em inovação para redução de custos operacionais. 

  1. Crise energética na Europa

A guerra na Ucrânia expôs a dependência que a Europa tem do gás russo. Isso está levando vários países da região a buscarem alternativas, mesmo que mais caras e mais poluentes. Neste sentido, a busca pela redução da pegada de carbono ficou num plano secundário.

A solução de curto prazo está passando por reativar minas de carvão, termelétricas, usinas nucleares e até mesmo queimar lenha. A Europa estocou gás ao longo do ano para usar no inverno, e isto deve evitar um choque muito maior de preços em energia.

A situação pode deteriorar muito, se houver algum tipo de ataque, ou sabotagem, contra a rede de gasodutos vindo da Rússia, como o acidente ainda não esclarecido que ocorreu em setembro de 2022.

Entretanto, ao longo de 2023, devemos ver diversos projetos de energia, particularmente terminais de gás liquefeito de petróleo, gasodutos, e projetos de hidrogênio verde, sendo desenvolvidos na Europa.

  1. Corrida para a lua

O sucesso da Missão Artemis I no final de 2022 permitiu avançar significativamente o plano dos EUA de ocupar economicamente o sistema Terra-Lua, e depois expandir até Marte e os asteroides. 

Além disso, a missão CAPSTONE (Cislunar Autonomous Positioning System Technology Operations and Navigation Experiment) também foi bem sucedida.

Tudo é parte da preparação para as futuras missões do programa Artemis, que pretende pousar no polo sul lunar em 2025 para estabelecer uma base permanente na borda da cratera Shackleton, onde deve haver água congelada nas regiões que ficam permanentemente na escuridão.

Ainda como parte da preparação para uma base lunar, devem ser lançadas duas sondas (Nova-C IM-1 e IM-2) neste ano.

Em 2024, a Nasa deve lançar o começo do Lunar Orbital Platform Gateway (LOP-G), que ficará em órbita Lunar e servirá como base de apoio, logística e exploração. 

O programa Artemis tem previsão de lançar Artemis II em 2024, a primeira missão tripulada para a Lua desde 1972. No ano seguinte, ela deve enviar a Artemis III. 

Duas empresas competem pela fabricação dos lançadores, a SpaceX e a Blue Origin. Quanto aos foguetes, a disputa é entre a SpaceX e a ULA (United Launch Alliance).

  1. Revolução dos drones

A guerra na Ucrânia trouxe luz ao desenvolvimento cada vez maior dos drones no ambiente militar. Mas eles também têm encontrado cada vez mais aplicações civis em diversas áreas.

O primeiro drone militar do mundo foi MQ-1 Predator em 1995, seguido pelo MQ-4 Global Hawk, em 1998. O primeiro uso reconhecido de um drone para ataque ao solo foi em fevereiro de 2002, no Afeganistão.

MQ-1 Predator (Foto: Julianne Showalter/Força Aérea dos EUA/AFP)

Desde então, os drones começaram a evoluir e se diversificar, tendo como vantagens a versatilidade, baixo custo, facilidade de operação e exposição humana a riscos reduzida .

A próxima geração deve ser capaz de operar de Navios Aeródromos (X-47C), em parceria com humanos (MQ-28 Ghost Bat), e aviões-tanque para reabastecimento (MQ-25 Stingray).

Os drones navais militares têm sido desenvolvidos como armas suicidas, submarinos, e caça minas (Sea Hunter). Estima-se que o mercado de drones de carga deve crescer de US$ 8,20 bilhões em 2022 para US$ 53,32 bilhões em 2031, um crescimento de 20,8% ao ano. 




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