Em vídeo viralizado em 2017, enquanto o cientista político Robert Kelly explicava à BBC um processo de impeachment que ocorria na Coreia do Sul, uma menina dançava para a câmera. O irmão entrou no escritório com o andador e a mãe tentava desesperadamente levar as crianças para fora. Em 2020, em uma sessão virtual do STF, o neto do ministro Luís Roberto Barroso roubou a cena ao entrar em seu escritório, o que passou uma imagem mais leve e humanizada do magistrado. Uma pesquisa, conduzida pelas professoras Beth Schinoff, da Universidade de Delaware; Ashley Hardin, da Washington University; e Kris Byron, da Universidade da Geórgia, indica que esses eventos vão de encontro à preocupação sobre o afastamento causado pelo trabalho remoto.
A pesquisa Uma janela para os mundos dos colegas de trabalho incluiu entrevistas com 286 funcionários e análise de 8.150 postagens no Reddit, 5.772 no Twitter, 14.625 no LinkedIn e 40.551 comentários em 10 notícias relacionadas à aprendizagem interpessoal. “Questionamos a suposição, amplamente difundida, de que interagir remotamente prejudica os relacionamentos entre colegas de trabalho”, dizem as autoras em artigo na Harvard Business Review. “Quando analisamos nossos dados, descobrimos que quando os funcionários aprendiam informações sobre o colega de trabalho que eram mais vívidas (visuais ou auditivas) e percebidas como não intencionais e sem relação com o trabalho, eram mais propensos a investir em seus relacionamentos pessoais (ou seja, buscar amizade) e profissionais (ou seja, buscar futuras colaborações) com esse colega, que passa a ser visto como mais confiável, autêntico e humano”, afirmaram as pesquisadoras.
Além de contrariar o senso comum sobre a intensidade da comunicação (na comparação entre presencial e remoto), as especialistas desaconselham tentar segregar a atividade profissional dos contextos pessoais. Por exemplo, em vez de desfocar o fundo, a aparição de um acessório esportivo ou livros na estante, assim como latidos ou vozes de crianças, expõem a subjetividade de uma forma que não ocorre nos ambientes de escritório.
Ganhos e mitigação de riscos no trabalho remoto
“O trabalho remoto pode promover uma sensação de proximidade, apesar da distância. É capaz de ajudar na obtenção de uma comunicação estruturada, levando as equipes a planejarem momentos específicos de interação”, comenta Paulo Almeida, diretor do Núcleo de Pesquisa em Liderança da FDC.
O professor da FDC aponta duas situações em que os encontros presenciais são imprescindíveis ou recomendáveis. Evidentemente, em atividades que exigem aprendizado prático, como treinamentos técnicos ou workshops sobre o desenvolvimento de habilidades, a presença física melhora a absorção de conhecimentos. Celebrações de resultados obtidos de forma coletiva e discussões mais amplas, como definição de estratégias, também têm melhores resultados com a comunicação presencial.
Entre as novas práticas para construir conexões no ambiente remoto, Almeida destaca duas ideias: a primeira são as reuniões semanais de check-in, em que cada membro da equipe fala um pouco sobre o andamento de seus projetos e compartilha um fato pessoal. “É interessante começar com uma pergunta quebra-gelo, algo leve, que ajude os colegas a se conhecerem fora do contexto profissional,” sugere. Essa abordagem não só facilita a interação, como também cria empatia.
Outra prática indicada pelo professor é o “café virtual”, em que pares de colegas são sorteados para conversas informais de 15 a 30 minutos. “Esses encontros promovem uma interação casual e ampliam a rede de apoio. Na liderança adaptativa, essas conexões informais fortalecem o senso de pertencimento e criam uma cultura de cooperação”, explica.
Paulo Almeida adverte para alguns cuidados em relação a valorização e bem-estar dos teletrabalhadores. “O hábito pode limitar a ‘visibilidade’ perante a liderança, as oportunidades de crescimento profissional e a demonstração de habilidades interpessoais. Para muitos, a dedicação remota torna difícil estabelecer limites entre o tempo de trabalho e o pessoal. Isso pode causar a sensação de ‘estar sempre disponível’ e um maior risco de burnout”, nota.
Estratégias realistas alinham bem-estar e produtividade

“Flexibilidade é mais que uma tendência, é um novo pilar das relações profissionais”, resume Paulo Almeida. Para líderes que estão ponderando chamar seus colaboradores de volta ao escritório, o professor recomenda uma avaliação, ou reavaliação, cuidadosa. “A flexibilidade é muito valorizada hoje, e forçar o retorno sem oferecer opções pode aumentar o turnover. Um modelo híbrido, que combina o remoto com encontros presenciais periódicos, é uma boa alternativa para manter a satisfação dos colaboradores e fortalecer a cultura organizacional,” constata.
Uma nova pesquisa, mencionada em reportagem do Valor, da Creditas Benefícios, com 1.347 profissionais em regime CLT no Brasil, aponta que, além do salário, “benefícios melhores”, são priorizados por 70% dos entrevistados e o regime de trabalho a distância por 29%. Mais da metade (53%) considera o custo de deslocamento e alimentação fora de casa e 29% aceitariam ofertas de empregos com a opção de trabalhar em casa. Na amostragem, 77% bate cartão na firma, 13% cumprem jornada híbrida definida pelo empregador, 5% escolhem os dias em que vão ao escritório e 5% estão remotos. Entre os entrevistados, 39% atuam em companhias com mais de 500 funcionários e 20% são de classes A e B.
“Trabalhar de casa permite que as pessoas organizem melhor suas rotinas, o que reduz o estresse e aumenta a satisfação no trabalho. O modelo também reduz custos: colaboradores economizam com transporte e alimentação, enquanto as empresas cortam despesas com aluguel de escritório e manutenção, enumera o professor da FDC. Junto aos ganhos pessoais, ele avalia que a autonomia resulta em mais eficiência e produtividade. “Adaptar os horários de trabalho ao seu pico de produtividade é uma vantagem importante,” exemplifica.