O novo mandato de Donald Trump começou com a imposição de aumento de tarifas contra Canadá, México e China. Também se vem veiculando a possibilidade impor mais tarifas contra Taiwan e os BRICS.

Claramente a imposição e tarifas comerciais deverá ser usada como mecanismo de pressão para negociação, pois cria um senso de urgência, e gera um aumento de inflação que se reflete com frequência na perda de popularidade dos governantes.

Entretanto existem riscos associados a este tipo de tática de negociação. Com frequência existe uma retaliação e quase sempre existe uma perda de credibilidade por parte de quem impõe as tarifas inicialmente.

Teoria dos jogos aplicada

Uma guerra comercial se assemelha ao que na teoria dos jogos é chamado de dilema do prisioneiro. Esse é um jogo onde dois jogadores perdem se não cooperarem um com o outro, mas existe uma vantagem em não cooperar, se o outro não retaliar.

Na guerra comercial funciona da mesma forma. Se apenas um impõe as tarifas ele tem uma vantagem não só nas receitas aumentadas, mas também no incentivo para empresas produzirem no seu território, ao invés de fora dele. 

Tarifas comerciais sempre foram uma forma de protecionismo para atrair a produção para dentro do território, e reduzir déficits comerciais. 

O problema é que o outro lado fica numa posição aonde tem todo o incentivo para retaliar, e com isso os dois acabam com aumento de custos, e redução da integração comercial. Os dois lados perdem as sinergias possíveis do comércio.

Sabidamente comércio global é um jogo de ganha-ganha que maximiza as eficiências, se afastar dele é um jogo de perde-perde, que aumenta as vulnerabilidades de todos. 

Tarifas como mecanismo de negociação

Foto: Adobe Stock

Um dos argumentos mais fortes de quem impõe tarifas é que este é um mecanismo de pressão nas negociações.

O caso específico dos EUA com o México e Canadá se deseja que haja um maior comprometimento ao controle das fronteiras por parte de Canadá e México, mas estas negociações avançaram poucos nos últimos anos.

A imposição de tarifas força um senso de urgência onde se mostra que se está disposto a perder dinheiro, e confiança, para forcar o outro a sentar na mesa de negociação. 

Em termos mais simples se “coloca o bode na sala”, ou se “tira o outro da zona de conforto”. Tudo isso força uma nova rodada de negociações que pode, ou não, avançar. 

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No caso específico do México e Canadá isso funcionou pelo menos numa primeira rodada do jogo. Se obteve algum comprometimento destes países, e se adiaram as tarifas.

Mais uma vez a teoria dos jogos aparece nos lembrando de que este não é um jogo de um lance só (jogo estratégico), mas sim um jogo de muitos lances (jogo extensivo), onde ainda veremos esse tema voltar diversas vezes por pelo menos quatro anos.

Retaliação e guerra comercial

O grande problema ocorre quando o outro lado decide retaliar e se cria um jogo de destruição de valor, ou uma “corrida para o fundo do poço” (race to the bottom).

No caso da China, Índia, BRICS e União Européia (UE), o poder de barganha destes atores é muito maior e similar ao dos EUA.

Uma retaliação pode gerar uma perda de integração global que levaria a uma recessão global.

Isto foi de certa forma o que ocorreu nas décadas de 1920 e 1930. Vai um destaque para o Smoot-Hawley Tariff act de 1930 que tentava amenizar os impactos da crise 1929. Vários países retaliaram e o efeito foi o de quedas expressivas nas exportações dos EUA.

Infelizmente uma guerra comercial deste tipo tem uma probabilidade razoável de ocorrer até o final da década, e é compatível com os modelos de ciclos de Kondratieff.

O lado Oportunidade para o Brasil

Se o Brasil ficar de fora dos ataques de aumento de tarifas dos EUA, ou pelo menos for menos impactado isto pode se transformar numa oportunidade, particularmente se aparecer como uma alternativa ao México no processo de ocidentalização das cadeias produtivas (westenization ou near shoring).

Entretanto o Brasil continua vulnerável a reduções da atividade econômica na China em caso um guerra comercial deste país com os EUA.

Ainda é cedo para afirmar categoricamente o que irá ocorrer, mas podemos mais uma vez usar a teoria dos jogos como referência pensando em como os jogadores se comportam.

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Isto indica uma guerra entre dois egos muito grandes, o de Donald Trump e o de Xi Jinping. É provável que os dois não consigam chegar a um acordo. E ambos tentarão se impor pelo tamanho contra jogadores de menor porte.

Paulo Vicente dos Santos Alves (Foto: Divulgação)

* Paulo Vicente dos Santos Alves é professor da Fundação Dom Cabral e doutor em administração. Sua experiência profissional inclui os setores de Governo, Defesa, Aeroespacial, Educação e Energia. Já atuou em cursos internacionais pela Brown, CKGSB, HULT, INSEAD, ISB, John Hopkins, Kellog, NOVA SBE, Saint Gallen, Schulich, Skema, Skolkovo, UT Dallas, e Vlerick.