À medida que as estruturas tecnológicas e as funções de negócio se tornam cada vez mais complexas, profissionais de alta competência em sua habilitação principal são imprescindíveis nos pipelines de negócios. Em contrapartida, essa especialização não pode ser uma fronteira. O profissional com o perfil conhecido como T-shaped não apenas enxerga a perspectiva dos interlocutores (colegas, clientes e outros stakeholders), como também sabe falar na sua língua e dizer o que lhe interessa.
Segundo o portal do Sebrae, o termo T-shaped teria sido cunhado por Tim Brown, CEO da IDEO, ao mostrar ao mercado as características e vantagens desse perfil. A linha horizontal do T indica visão sistêmica e interdisciplinar, enquanto a linha vertical traduz a expertise técnica numa área. O site menciona também um post de Bill Gates, no qual atribui o sucesso da Microsoft à adoção de um pensamento mais holístico, com desenvolvedores com amplitude de conhecimento em outras áreas.
Entre as vantagens elencadas, juntar o conhecimento específico com outros repertórios permite análises mais completas. Outra vantagem é a facilidade de entrosamento, o que é essencial em modelos dinâmicos de formação de grupos e colaboração. As habilidades “adjacentes”, mesmo com capacidade superficial, também levam a mais autonomia.
Aprofundamento e foco sem perder a visão ampla
Grandes projetos e empresas precisam de profissionais que sejam autoridades em suas disciplinas. No entanto, os profissionais hoje precisam empreender um processo de aprendizado contínuo, tanto para se aprofundar e se atualizar em suas áreas quanto para desenvolver outras habilidades necessárias.
Bruno Fernandes, diretor dos programas de pós-graduação da FDC – que se baseiam nessa metodologia – explica e traz alguns exemplos em que o profissional T-shaped faz diferença para as organizações e para a sociedade. Acompanhe trechos de uma entrevista com o especialista ao Seja Relevante:
Em um mercado que valoriza cada vez mais a adaptabilidade e a colaboração entre áreas, como você vê o perfil T-shaped ajudando a suprir as lacunas de habilidades e a facilitar a inovação nas empresas?
O profissional T-shaped é o “ideal” para este contexto. Por T-shaped, entendemos o profissional que tem visão sistêmica, de um lado, e expertise técnica em uma área, de outro. É um profissional que consegue fazer uma boa leitura das situações e mobilizar sua expertise técnica para prover soluções consistentes, com embasamento conceitual e prático, e adequação ao contexto. A visão sistêmica pressupõe habilidades como ampla capacidade de leitura da realidade, estabelecendo conexões e implicações de longo prazo, capacidade de colaboração e comunicação, flexibilidade, adaptabilidade e aprendizado contínuo. Atente que este trânsito multidisciplinar e capacidade de colaboração estão na base da inovação: toda inovação demanda um olhar para fora, a busca de referências diferentes daquelas com as quais lidamos cotidianamente. Este olhar amplo possibilita ao profissional ser mais assertivo e inovador nas propostas que faz, mesmo dentro de sua área de expertise. Inspirado por essa visão ampla, sabe quais conceitos e ferramentas buscar em seu repertório técnico.
Quais são os principais benefícios do perfil T-shaped para profissionais que buscam crescer em suas carreiras, especialmente em um cenário onde as soft skills e o conhecimento técnico são igualmente valorizados?
O crescimento na carreira pressupõe enxergar suas entregas atuais à luz das demandas do próximo estágio de carreira. Uma vez eu conversava com o CEO de uma multinacional do setor automotivo, e ele disse: “quando eu era estagiário, eu pensava como entregar para ser um assistente; quando assistente, pensava nas entregas de um analista; como analista, como seria a de um coordenador”, e assim por diante. Ou seja, essa pessoa estava sempre atuando em níveis de complexidade superiores aos de sua função atual, já entregava mais. Ora, a promoção, em certo sentido, não é algo que se ganha; é algo que se reconhece; Quando uma pessoa é promovida, é porque alguém já a enxerga realizando atribuições de maior complexidade.
O que isto tem a ver com o T-shaped? Tudo. O profissional T-shaped, com seu olhar expandido sobre o cenário, a organização e interconexões entre áreas exercita esta visão do próximo passo de carreira. E, por possuir conhecimentos técnicos sólidos, é capaz de entregar, não só de “diagnosticar” ou dar palpites.
É interessante ressaltar como o T-shaped envolve soft e hard skills. De certo modo, a visão sistêmica e seus componentes – colaboração e comunicação, leitura de cenário, aprendizagem contínua – consistem em soft skills, complementadas por hard skills próprios da expertise técnica.
Em que medida a metodologia T-shaped pode contribuir para que as empresas respondam com agilidade a mudanças e crises?
O profissional T-shaped tem vasto repertório, sabe onde se inspirar para soluções não convencionais. Para enfrentar problemas de uma área, busca saberes de outro campo, e por isso consegue inovar. Lembro-me de um caso de empreendedores sociais que queriam enfrentar o problema da mortalidade de crianças por diarreia na Zâmbia. O tratamento se dá por meio de um medicamento barato e sem necessidade de receita. Porém, na Zâmbia – como em muito países em desenvolvimento – há comunidades remotas, dispersas, e sem infraestrutura para distribuir tais medicamentos. A solução? Os empreendedores observaram que em qualquer lugar do mundo, por mais remoto que seja, há Coca-Cola. E por que não inserir o medicamento nos engradados? Foi o que fizeram e, em menos de um ano, o alcance do tratamento passou de menos de 1% a 46,6% nos distritos do programa piloto. Observem que esses empreendedores sociais são tipicamente profissionais T-shaped, com capacidade de leitura de contexto, aplicação de abordagens de um setor em outro, habilidades de cooperação, e conhecimento técnico na área de saúde.
Retiro este caso do livro Saia pela Tangente, do pesquisador brasileiro na Universidade de Oxford, Paulo Savaget, e também recomendo a leitura de Por que os generalistas vencem em um mundo de especialistas, do jornalista David Epstein. Nesse livro, o autor demonstra que profissionais como o tenista Roger Federer, o astrônomo Johannes Kepler, o artista Van Gogh e o psicólogo laureado pelo Nobel de Economia Daniel Kanehman são exemplos de T-shaped.