A decisão de ter filhos e permanecer progredindo no mercado de trabalho é uma preocupação que atinge boa parte das profissionais que pensam na maternidade. Em uma reportagem do jornal Valor Econômico, duas executivas contaram suas experiências no mundo corporativo quando decidiram ter filhos. Mas, embora para ambas o cenário tenha sido positivo, pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que as empresas ainda precisam caminhar muito para trazer um ambiente igualitário para as mães trabalhadoras: o estudo constatou que quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade deixam o mercado após 24 meses.
Mãe de três meninos, Iris Borge, headhunter, diretora-executiva da Talenses e sócia do Talenses Group, onde atua com recrutamento executivo e lidera a seleção no C-level para energia e indústria, contou que foi perfeitamente viável conciliar a carreira com a formação de uma família. E afirmou conhecer mulheres que foram promovidas após os períodos da gravidez e licença. Porém, ela reconhece que a realidade nem sempre é assim.
Demissões e promoções
“Com muita frequência, temos notícias de mulheres que, após a licença-maternidade, são demitidas ou desconsideradas de promoções ou projetos importantes nas empresas em que trabalham”, afirma Borge.
A headhunter argumenta, porém, que essa não é a regra. Ela afirma que, embora o mundo corporativo ainda tenha muito a evoluir quando o assunto é mulher no mercado de trabalho, percebe um movimento crescente de organizações gerindo pessoas, pensando no médio e longo prazo e não em períodos imediatos ou pré-estabelecidos, como o de uma licença-maternidade.
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Experiência enriquecedora
Por sua vez, em matéria publicada no site da CNN Brasil, Carla Poskus, gerente de People Experience da Trimble no Brasil, diz que a maternidade não deve ser vista como um obstáculo para o crescimento e desenvolvimento profissional das mulheres, mas como uma experiência enriquecedora que pode trazer novas habilidades e benefícios para as empresas, como maior atração e retenção de talentos e diversidade de perspectivas.
Com base na pesquisa da FGV, porém, Poskus expõe suas preocupações quanto à maternidade e a hostilidade do mercado de trabalho.
“É crucial reconhecer que a sobrecarga materna, o preconceito no local de trabalho e os desafios emocionais são realidades enfrentadas por muitas mulheres. Infelizmente, não é surpreendente que esse combo resulte no óbvio: a maioria das mães deixando o mercado de trabalho”, argumenta a gerente, lembrando que isso ocorre mesmo com a percepção de que os parceiros da mãe (pais) têm responsabilidades iguais ou no mínimo similares.
Segurança e amamentação

Poskus relata que sua experiência com a licença-maternidade foi muito positiva. “Graças à segurança proporcionada pela Trimble, não tive dúvidas de que meu emprego estaria à minha espera após esse período”, conta a executiva, acrescentando que ainda recebeu total apoio quando comunicou à empresa que precisaria de dois períodos de 30 minutos durante o horário comercial para amamentar seu bebê. Mas Poskus reconhece que nem sempre é assim.
“À medida que avançamos em direção a uma sociedade mais igualitária, é fundamental que as empresas assumam a responsabilidade de criar políticas e programas inclusivos que atendam às necessidades das mães. Isso pode incluir medidas como licença-maternidade estendida, programas de apoio à conciliação entre trabalho e vida familiar, flexibilidade de horários e espaços adequados para amamentação”, defende a executiva.
Quando ser mãe
Já Iris Borge, respondendo à pergunta de uma leitora de 34 anos dividida entre adiar a maternidade por mais tempo para focar e ascender na carreira e a vontade de ser mãe, disse que esse é um “complexo dilema” que as mulheres enfrentam nessa fase da vida. E aconselhou à leitora: “o mais importante é saber que essa é uma decisão particular, que deve ser tomada com base no que faz sentido para o seu momento de vida e não no que a sociedade ou a empresa esperam. É legítimo não querer ser mãe para priorizar a carreira, assim como é compreensível querer ter um filho e seguir com a carreira ou fazer uma pausa para cuidar da criança”, afirmou Borge.
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“Se a dúvida persistir, sugiro duas reflexões: como você gostaria que sua vida e sua carreira estejam daqui a cinco ou dez anos? E nessa projeção, de que forma os papéis de mãe e de profissional se conectam com sentimentos de realização? Caso sinta que as duas posições são igualmente importantes, essa pode ser a hora de colocar o plano da gravidez em ação”, acrescentou, lembrando que a idade fértil das mulheres é menor do que a dos homens, e isso pode acender um alerta nas profissionais do sexo feminino.
Inclusão e diversidade

Segundo Borge, caso a profissional sinta que a notícia da gravidez não foi bem aceita no trabalho, esse pode ser um claro sinal de que a cultura da organização não tem espaço para inclusão e diversidade. E a profissional deve considerar fortemente iniciar a busca por outra oportunidade de trabalho em empresas que entendam que os colaboradores podem e devem ter uma vida fora do expediente. Afinal, bons profissionais sempre terão espaço no mercado de trabalho.
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A executiva da Talenses dá ainda algumas orientações sobre como proceder em relação ao planejamento de uma gravidez e a busca de licença-maternidade. Revelar ou não os planos de gravidez para a pessoa responsável pela gestão é uma decisão particular e a profissional não deve se sentir obrigada a fazer esse comunicado precoce. Quando a gravidez já for um fato, diz Borge, a profissional deve ser responsável por transmitir a notícia para quem julgar necessário.
Saúde e bem-estar
“Você pode até esperar as habituais 12 semanas para contar, mas faça o comunicado e mantenha a qualidade das suas entregas, respeitando a sua saúde e o seu bem-estar. Juntamente com a sua liderança direta, é possível encontrar uma forma de continuar crescendo e prosperando na carreira”, afirma Borge.
Carla Poskus retoma as considerações defendendo que, para avançar para uma sociedade mais igualitária, “é fundamental que as empresas assumam a responsabilidade de criar políticas e programas inclusivos que atendam às necessidades das mães”.