Acompanhar as transformações nas tecnologias e nos cenários globais, para encontrar os caminhos objetivos de inovação, é uma responsabilidade de líderes de organizações de qualquer porte. A dica é do executivo Ricardo Pelegrini, CEO da Quantum4 Innovation Solutions.
Antes da Quantum4, esteve por 30 anos na IBM, onde foi Gerente Geral de Serviços na Itália, Presidente da IBM no Brasil e Gerente Geral de Indústrias para mercados emergentes na China. Em 2008, participou da criação da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI). É professor e mentor do Programa de Gestão Avançada e membro do conselho de Empreendedorismo e Inovação da Fundação Dom Cabral.
Em entrevista exclusiva ao Seja Relevante, o especialista traz críticas muito objetivas, assim como propostas factíveis para superar os entraves nas organizações e na cultura empresarial. Além de orientações pragmáticas, ele enfatiza as mudanças na organização e nas atitudes para que as transformações e as estratégias estruturadas sigam na mesma direção.
Em entrevista recente, você lamentou a passagem do Brasil do 49º para o 50º lugar no Global Innovation Index. O que esse ranking pode nos fornecer como referência de avaliação do nosso estado atual?
Uma atualização acabou de sair e o Brasil caiu para a 50ª posição. Isso é importante, pois em 2011 estávamos na 47ª posição. Treze anos depois, ficamos na 50ª. Esse é um problema alarmante. O Brasil é a oitava (ou nona) economia do mundo, e não podemos continuar com essa classificação em inovação. Isso não condiz com nossa pujança de mercado e outros fatores.
Esse tipo de avaliação, como o Global Innovation Index, considera fatores como facilidade de fazer negócios, produtos inovadores, gestão. A avaliação mostra que estamos andando de lado.
Quais são os principais fatores que contribuem para essa situação?
Não estamos conseguindo fazer a máquina de inovação entrar na pauta central das empresas e do governo. E quando se fala em governo, todo mundo pensa em fundos de fomento, que, mesmo insuficientes, estão disponíveis e muitas empresas não conhecem.
Quando pegamos as 10 maiores economias do mundo, é claro que os Estados Unidos e a China investem muito mais, na ordem de centenas de bilhões de dólares. Mas a diferença não é só em valores absolutos. Estamos entre os 10 maiores em PIB e no 50º lugar em inovação. As proporções estão desequilibradas há muito tempo.
Na Coreia do Sul, que há algumas décadas estava no mesmo patamar que nós (em inovação industrial), se investe 4% do PIB; nos EUA e Japão, mais de 3%; na Europa, pelo menos 2%, e aqui, 1,2%.
Além do subfinanciamento, há lacunas de capital humano?
Sem dúvida. O Brasil é o 13º país global em produção científica. Mas segundo dados da CAPES, a grande maioria dos mestres e doutores estão na academia. Puxar essa capacidade acadêmica para ser aplicada na indústria é algo que tentamos há anos na CNI e na MEI. Fazer funcionar a tripla Hélice (academia, empresas e governo) é fundamental.
Todos precisam entender que a responsabilidade pela falta de avanços em inovação não é exclusiva do governo. Claro que o ambiente burocrático e a alta carga tributária dificultam os investimentos das empresas, mas existem vários caminhos para buscar mais inovação.
As defasagens ocorrem em todos os segmentos?
Se compararmos as grandes companhias brasileiras com as dos demais países, o gap é muito menor. Algumas são líderes globais em inovação. Então, de alguma forma, as grandes corporações se resolvem. Ou porque estão no exterior, próximas aos centros de inovação, ou porque, mesmo sem presença fora do país, são grandes o suficiente para navegar nos ecossistemas globais.
Falando de indústria, quando se olham as empresas menores, aparecem os gaps. Aqui novamente aparece a captação, com as altas taxas de juros. Tem esse lado financeiro, mas também outro fator, em que trabalhamos muito, que é a conscientização dos líderes corporativos das médias e pequenas empresas sobre o que está acontecendo em transformações no mundo. Se os C-Level não conseguem ver as oportunidades com novas tecnologias e outras inovações, não conseguem nem formular os questionamentos.
Algumas empresas médias estão em grande transformação. Por exemplo, a Tia Sônia, uma empresa de granola de Vitória da Conquista, Bahia, está inovando para acelerar sua expansão, com indústria 4.0 e olhando fontes de fomento. Mas isso porque tem uma liderança que se abriu.
Isso só acontece se a liderança estiver engajada.
O conhecimento para esta transformação pode vir de dentro de casa ( time interno) que pode ajudar na mobilização da empresa ou, caso falte expertise, há startups, consultorias, cursos que podem trazer insights.
Não se propõe empreender iniciativas que possam quebrar a empresa se derem errado, mas é preciso experimentar. Pode-se começar pelos problemas mais evidentes, principalmente na experiência do cliente. É observar e pensar como aplicar, por exemplo, tecnologias como IA e analytics para resolver alguns dos problemas que estão impactando a satisfação dos clientes ?
É como dar um “limite de cartão de crédito” para a turma atacar problemas representativos e pensar coisas novas.
Mas se as médias já têm dificuldade com capital de giro, como vão dispor de recursos para inovar e suportar os riscos?
Durante o tempo em que estive na IBM, até nas visitas às corporações, muitas vezes o cliente dizia: “adorei o projeto. Só que não tenho dinheiro”. Hoje, com a Quantum4, vou logo explicando como levantar parte do dinheiro.
Os empresários precisam conhecer fontes de fomento, como Embrapii (Empresa Brasileira de Inovação Industrial), que tem centros com co-funding do Governo Federal. Podem-se conjugar recursos dos ICTs (Institutos de Ciência e Tecnologia), fundos do Governo e investimento próprio.
Por exemplo, se tiver projetos de IA, há os ICTs que podem ajudar alocando especialistas e Embrapii com dinheiro, cobrindo 50% do total do projeto e aí dá para executar as novas ideias.
Ainda há 3 mil empresas que utilizam a Lei do Bem. Há empresas com projetos de inovação que não conhecem o benefício tributário. Estão deixando dinheiro na mesa.
O que a inovação pressupõe de transformação interna e nas cadeias de valor?
Tudo começa com o C-Level consciente. Todos têm que inovar mas se a liderança só vê os riscos e não entende as mudanças em curso, limita a todos.
Quando alguma tentativa dá certo, o pessoal vê e tem o interesse despertado. Por exemplo, hoje se podem descrever problemas, desenhar um novo processo ou solução, e uma IA codifica essa ideia. Talvez uma equipe ache um jeito de melhorar um produto em uma semana. É claro que não estou falando de mexer nos sistemas. Mas aqui mesmo na Quantum4, tivemos um problema muito específico, que se resolveu mais rapidamente com uma solução com o Co-pilot.
Nunca tivemos tantas tecnologias disponíveis ao mesmo tempo, como mobilidade, IA, analytics, blockchain, e tudo isso acontecendo em paralelo. Lembro que quando a IBM anunciava produtos nos EUA, às vezes levava um ano para chegar. Hoje, todos têm tudo ao mesmo tempo. É o mesmo ferramental para qualquer empresa.
Mas tem outras características, como inovação aberta. Alguém pode ter pensado no seu problema, criou uma startup e já testou a solução com outros clientes.
De fato, no Brasil há um paradigma de hierarquia que ainda é um grande problema. Ainda é difícil para o CEO admitir quando não entende de algum assunto. Não dá para saber tudo. Tem que saber fazer as perguntas para as pessoas que sabem. E isso ainda não é trivial.
Uma vez, fizemos uma reunião com executivos e falamos de IA (Watson). Um deles, ao final da apresentação me pediu para ficar mais um pouco para falarmos (sem a equipe). Estando somente nós dois na sala ele disse que não tinha entendido as explicações e me pediu para falar mais (mas não disse isso na frente da equipe). Me esforcei para ser mais claro e em um momento, os olhos dele ficaram parados. Fiquei preocupado de ter falhado de novo. Aí ele desandou a falar e descreveu um caso de uso completo e me perguntou “então o Watson serviria para me ajudar nisso?” Ele sabia do problema e quando fez a conexão com o que a tecnologia fazia, conseguiu identificar uma solução para um problema real que eles tinham.
Assim, é um grande engano delegar estas pautas tecnológicas às áreas de tecnologia apenas. O C-Level tem que se aproximar para instigar as áreas de Tecnologia, Inovação, Transformação Digital.
E qual o papel dos líderes e dos níveis operacionais?
Vou dar um exemplo: se você acha uma startup que resolve seu problema, o processo trava quando o departamento de compras pede os balanços dos últimos três anos. Mas e se a startup (como o próprio nome diz) foi criada há menos de três anos ? A governança não está errada , mas o processo deve ser ajustado. E quem tem que autorizar os ajustes nos processos é o “time de cima”.
Vindo de uma empresa global, sei que tem que haver governança. Mas é preciso considerar aberturas nos processos e aprender a lidar com a imprevisibilidade de forma estruturada.
O que muda na sociedade e para os cidadãos viver em um país bem ranqueado em inovação?
Quando melhora o nível de inovação, por processos estruturados, tecnologias, gestão, normalmente se tem um desenvolvimento social atrelado. Isso pode ser visto quando vemos os países mais inovadores na lista de países mais desenvolvidos.
Quando presidia a IBM, decidimos implantar um projeto no Brasil, inclusive com IA, que nunca tinha sido feito no mundo. Eu lembro que fui à uma reunião e um executivo perguntou onde já tínhamos feito. Disse que o Brasil seria o primeiro e gerou desconforto. Por que não? A tecnologia está disponível, temos gente capacitada? Depois disso, vários projetos que fizemos aqui viraram modelo global. Temos que ter essa ambição de fazer inovações importantes.
Segundo o Índice de Tendências do Mercado de Trabalho, um estudo anual da Microsoft e LinkedIn, em 78% das empresas os funcionários usam ferramentas de GenAI por conta própria. Quais as vantagens e riscos desse ímpeto?
Isso é interessante. O brasileiro é earlier adopter em tecnologia. Fomos a maior base do Orkut, temos uma base grande de redes sociais e, agora, pessoas adotando IA. Isso é ótimo. O que precisa é ter coordenação. Até porque , no ambiente corporativo, o ideal é usar tudo o que os outros sabem e o que só eu sei. Se a empresa não souber o que está acontecendo e deixar todos usarem ferramentas públicas, a plataforma vai saber tudo o que se carregou lá. Assim é preciso entender como funciona, se organizar e trabalhar o nível de conscientização de toda empresa. Mas a boa notícia é que as pessoas estão ávidas “pelo novo”.