Pedro Alves, vice-presidente Global de Comunicação da Mastercard, tem a bandeira da comunidade LGBTQIAPN+ em seu Linkedin, sigla que representa lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queers, intersexuais, assexuais, pansexuais e não-binarios. O + representa todas as outras orientações e identidades que não estão oficialmente na sigla, mas que podem se sentir acolhidas.

Nesta entrevista, ele conta a sua trajetória pessoal e profissional e como é importante ter exemplos de liderança que façam parte da comunidade LGBTQIAPN+. Hoje um executivo global, Pedro tem uma experiência diversificada e ajuda a amplificar como gestor na Mastercard, as políticas de diversidade e inclusão que aprendeu a conhecer ao longo de sua carreira. Acompanhe. 

Como começou sua carreira profissional?

Nasci em Belo Horizonte e passei por várias cidades, inclusive Pará de Minas, Itaúna e Santo Antônio do Amparo. Olhando para trás, me considero um analfabeto funcional até a oitava série. Só sabia ler, escrever e fazer uma meia dúzia de contas. Em 2002, me mudei para Itaúna, para morar com meus padrinhos, e fazer ensino médio. Mais tarde, em 2005, me mudei para São Paulo, onde o meu pai morava, e decidi fazer Relações Públicas pela Casper Líbero. No segundo mês de faculdade, entrei como estagiário em uma pequena agência de eventos e trabalhei lá até maio de 2007. Nas férias de Verão de 2006/2007 fui para o Canadá para estudar inglês, porque não sabia falar nada da língua. Na sequência, entrei para a agência LBVA, atendendo a Bayer CropScience em assessoria de imprensa e gestão de crise. 

Ainda como estagiário?

Sim. No final de 2007 fui aprovado para um estágio na Cadbury Adams (atual Mondelez) e trabalhei lá de 2008 a 2009, ainda cursando a faculdade. Foi o grande pulo da minha carreira e naquele momento pude entender comunicação corporativa na prática, pois não tínhamos agência externa. Éramos só eu, uma gerente e uma diretora. Em 2009, ao me formar na faculdade, comecei a trabalhar na Suzano holding, cuidando de relações institucionais e comunicação interna. A próxima experiência foi na Duke Energy, antes de virar a CTG, com foco em comunicação interna e sustentabilidade. E aí, no meio de 2011, a GE “bateu na minha porta” com a possibilidade de participar de um programa de liderança mundial focado na área de comunicação e marketing. 

Foi outra mudança importante?

Exato, porque eu nunca tinha ouvido falar desse nível de tratamento da comunicação – como liderança – em grandes empresas. Eram três rotações de oito meses cada e eu iria trabalhar em diferentes negócios da GE, num total de dois anos, e participar de quatro conferências internacionais e de cursos de liderança.

Comecei no Brasil, focado em marketing e comunicação digital estratégica, quando ainda não se falava nisso para empresas B2B. Depois cuidei de comunicação interna e eventos para o negocio de óleo e gás. Em 2013 eu fui trabalhar em Hong Kong, onde fiquei por seis meses, na área que cuidava de engajamento de liderança e C-level da GE para todas as regiões fora dos Estados Unidos. Voltei para o Brasil, assumindo a vaga de gerente marketing digital e publicidade institucional para a América Latina. Fiz um excelente trabalho, inclusive no patrocínio dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016, uma vez que a GE era patrocinadora global do Comitê Olímpico Internacional. Após isso, em meados de 2017, surgiu a vaga de diretor de comunicação na Mastercard para Brasil e Cone Sul. 

E quando começa sua carreira na corporação?

Em setembro de 2017. Comecei liderando a comunicação para Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile na integração de marketing e comunicação, porque as áreas eram divididas e se tratava de uma unificação global. Minha próxima etapa, quatro anos depois, foi a possibilidade de liderar a comunicação para a unidade de negocios global de tecnologia da Mastercard, maior área da companhia. Com isso, aceitei o desafio de ser vice-presidente global de comunicação para esta unidade. Foi nessa época, entre 2018 e 2019, que cursei MBA na Fundação Dom Cabral, porque sempre estive de olho na instituição. Eu cresci lendo Exame e outras publicações de negócios e sempre via a referência da Fundação Dom Cabral na revista. 

E por que o MBA?

Pelo desejo de aprender mais sobre liderança. Apesar de ter feito um MBA na prática, quando trabalhei na GE, é diferente porque o foco da FDC é na questão do indivíduo e a sua contribuição para a sociedade. 

A sua experiência é bastante diversificada, em várias transversais, mas como ficou o seu posicionamento do ponto de vista de orientação sexual nessa trajetória? 

Quando se fala disso me vem o pensamento de que não é possível sermos nós mesmos sem exemplos, sem uma pessoa que inspira um modelo. E aí eu vou falando da minha história pessoal e da minha trajetória profissional, porque uma não existe sem a outra. Eu cresci em uma cidade muito pequena no interior de Minas, Santo Antônio do Amparo. Lá não havia espaço para pessoas diversas, que eram vistas como motivo para agressão ou piada. Se essas pessoas não tinham espaço naquela sociedade, como eu poderia ter? E como poderia desenvolver minha sexualidade, de uma maneira natural, dentro de uma realidade como aquela? Era impossível. Eu não me entendi como um homem gay até os 25 anos de idade. Eu tenho 37. Então, foi ontem, né? 

Como foi essa tomada de consciência?

Passei a minha adolescência inteira negando a minha sexualidade e não consegui aproveitá-la no momento que eu precisava usufruir dessa época de descobertas. Achava que minha orientação era ruim e que eu iria para o inferno, pois fui criado dentro de uma família católica e numa sociedade com mente fechada. E olha que eu tive muitos privilégios dentro dessa sociedade, sendo de uma família que participava ativamente da política e que tinha influência na cidade. Não estou falando de uma família rica, mas de uma família que tinha privilégios e sabia usá-los a seu favor. Nessa sociedade, no entanto, faltou o olhar mais amplo para incluir todos, pois todos são pessoas com experiências diferentes e que têm os mesmos direitos de quem está ocupando o espaço de poder. 

E na sua área de atuação, essas diferenças eram percebidas e respeitadas?

Na área de relações públicas, de comunicação, temos pessoas que expressam a sua orientação e a sua identidade de gênero de uma maneira muito mais fácil do que em outros segmentos. Isso me serviu de modelo para entender que não tinha nada de errado comigo. O referencial é muito importante. Ao longo da minha trajetória na GE, o diretor de comunicação para a América Latina, Sérgio Giacomo, me mostrou o que era uma pessoa naquele cargo de poder me deu possibilidades e me fez entender que eu poderia ser quem eu quisesse e chegar aonde eu quisesse.

Nota: em edição histórica de 2017, a revista Exame, traz o tema da liderança LGBTQIAPN+ na capa, tendo Giacomo como um dos exemplos

Qual é a sua lembrança desse executivo?

Ele nunca pretendeu ser quem não era. Sérgio foi ele mesmo desde o primeiro dia de trabalho, falando do marido e da família. E fez isso de forma natural, mostrando que as pessoas podem ser elas mesmas. Infelizmente, na sociedade que a gente vive e ainda em diversos países, o fato de ser uma pessoa LGBTQIAPN+ é estar num corpo político. Independente de qual é a sua situação em quem você acredita ou quem você apoia, numa sociedade fechada tradicional ser uma pessoa dessa comunidade é ter seu corpo ligado às questões políticas.

Há outros exemplos que te inspiraram?

Sim. O meu professor e orientador de TCC na Casper Líbero, Júlio Barbosa, é um espelho no mundo acadêmico. Um modelo de poder ser quem é e não ter medo de se expressar de maneira aberta, inclusive chegando a uma posição de poder como a coordenadoria do curso de relações públicas de uma das faculdades mais importantes de comunicação social do Brasil. Isso me permitiu acessar outras realidades e provocou reflexões internas que fez com que eu entendesse e tivesse coragem para assumir quem eu sou. Isso é extremamente importante porque a gente cresce em uma sociedade em que tudo que você faz é errado. Tudo que você pensa é errado. Tudo que você expressa é mimimi. 

Você falou de exemplos positivos, mas provavelmente deve ter vivido situações com um viés negativo nessa questão da orientação sexual…

Há pesquisas no Brasil, como a da Mais Diversidade, que aponta que 39% dos profissionais LGBTIAPN+ preferem falar explicitamente sobre orientação sexual e identidade de gênero com pessoas mais próximas, ao invés da sua liderança. Já na Elancers, é demonstrado que uma a cada cinco empresas não contratariam homossexuais para certos cargos. Ou seja, a expressão da orientação sexual pode limitar a possibilidade de vagas que existem no mercado de trabalho. A questão é estrutural, ela vem antes das pessoas. Já ouvi muita coisa, muita bobagem, mas eu tive de entender o meu caminho e conseguir navegar de um jeito que eu tivesse apoio. Esse apoio veio, muitas vezes, das mulheres. A maioria dos meus gestores foram mulheres e teve muita mulher abrindo as portas para que eu pudesse entrar e ser quem eu quisesse ser.

O que você identifica na Mastercard como positivo para avançar em políticas inclusivas para a comunidade LGBTQIAPN+?

pedro alves

As empresas americanas são muito avançadas e muito evoluídas na discussão sobre integridade e ética, e é por isso que eu gosto muito de trabalhar nesse ambiente. Não necessariamente americano, mas onde ética e integridade são fundamentais. Quando eu cheguei à Mastercard no Brasil, não tinha nenhum líder que fosse LGBTQIAPN+ assumidamente no escritório, mas fora do país já era muito desenvolvida a questão dos grupos de afinidade, das políticas para pessoas diversas. Aí começamos a olhar para dentro da operação e lançamos um grupo de afinidade, reforçando todos os benefícios para este público e trabalhando a sensibilização da liderança para aumentar a contratação de pessoas diversas na organização. 

Como foi isso?

Fundamos o PRIDE Brasil, grupo de afinidade global focado na comunidade LGBTQIAPN+, junto com o time de RH e toda liderança local. A partir da busca de aliados, conseguimos fazer com que as pessoas saíssem dos seus armários dentro das suas áreas e viessem participar conosco dessa caminhada. Não forçamos nada, apenas criamos espaço e abrimos a discussão, de forma que as pessoas se sentissem à vontade para conversar conosco. Foi um processo de dois anos. Como é que foi isso? Eu sou mineiro, né? (risos). Comecei a conversar com as pessoas dentro da empresa, com o time inteiro de liderança e com o time de RH. Começamos a trazer luz para o que antes era invisível. E aí as coisas foram acontecendo, com muita abertura. Quando eu sou abordado por pessoas que se sentem orgulhosas de um LGBTQIAPN+ estar na liderança, eu convido para um café e assim iniciamos um convite maior para participar do grupo de afinidade. Às vezes, a diversidade já está na própria corporação; só não está clara. 

Como poderiam ser as políticas corporativas para incentivar ambientes como esse?

As políticas precisam ser claras e ter canais de ética e de integridade que sejam transparentes na questão de oferecer apoio e de oferecer suporte. Se você não tem um canal de integridade, de compliance e de ética muito fortes ou estabelecidos – e políticas que incluam as pessoas – eu pergunto: como elas vão poder ser quem elas são? E se não se tem um plano de saúde para o companheiro ou para a companheira? E se não existe um apoio para as pessoas que são transgêneros? É preciso ter pilares muito bem estabelecidos, porque a partir disso você começa a criar um terreno fértil para plantar as atividades de grupos de diversidade, as ações afirmativas junto com o time de recursos humanos e com time de marketing e comunicação. É preciso fazer uma capacitação da sua liderança para que ela consiga dialogar com isso de maneira natural e valorizar as pessoas que fazem parte do grupo de diversidade.

Você acha que as empresas estão preparadas para isso? 

pedro alves

Acho que grande parte das empresas sérias de grande porte no Brasil tem tido essa iniciativa e está amadurecendo para que a transformação aconteça de forma inclusiva. Agora, nem todas as empresas pequenas e de médio porte estão preparadas. Não podemos generalizar, mas temos muito para caminhar na questão do respeito em todos os ambientes. Tem muito para a caminhada da questão de inclusão. Chegamos a um ponto que não dá mais para falar só de uma agenda de política corporativa, mas sim de uma agenda de direitos humanos. É muito importante a questão da comunidade, mas a comunidade é muito diversa, né? Temos a questão dos transgêneros e outros exemplos. Precisamos colocar essas pessoas dentro do pipeline de desenvolvimento de talentos dentro das empresas para que elas possam ocupar hoje, e no futuro, posições de liderança em todos os espaços. 

A sua experiência pessoal comprova isso?

Hoje eu nem caberia na roupa que o Pedro vestia há 20 anos. Não sou o mesmo Pedro. Eu só pude ser quem eu sou porque estive em espaços que me acolheram e deram abertura. Tenho o privilégio de ter um pai e uma madrasta que me acolheram, tive gestores que me entenderam e me valorizaram por ser quem eu sou e puderam me escutar pela minha competência. Eles enxergaram que eu vejo o mundo de uma maneira diferente deles e conseguiram me valorizar ao longo desse percurso. Hoje, posso desenvolver times diversos e apoiar e provocar para que os meus pares possam ser mais inclusivos.