Com ferramentas low-code e treinamentos rápidos, servidores de seis secretarias do Governo de Minas Gerais criaram automações de alto impacto na produtividade e na qualidade dos serviços. No Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), sistemas de analytics com IA sinalizam formação de cartéis e fraudes em licitações, com base em um amplo monitoramento de diversos tipos de dados.
A partir dessas experiências, o professor Paulo Guerra, gerente de Projetos de Gestão Pública da FDC, junto aos protagonistas de ambos os projetos – Camila Neves, secretária de Planejamento e Gestão de Minas Gerais, e Bruno Garcia, analista do CADE – explica as diferentes abordagens de uso de IA no setor público.
O artigo foi apresentado no XXIX Congresso Internacional do CLAD sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública, que ocorreu no final de novembro, em Brasília.
Automação feita pelos usuários
Promovido pela Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag-MG), o Automatiza.MG permite que os servidores desenvolvam seus próprios assistentes virtuais, a partir de sua experiência com os processos internos e com as demandas da população em suas áreas.
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A adesão ao projeto é voluntária e o servidor interessado conta com cursos presenciais e online. Foram disponibilizadas licenças e treinamento em ferramentas low-code e no-code. Com isso, funcionários que conhecem bem os processos e as rotinas da administração pública criaram aplicações simples e de alto impacto.
Na área ambiental, a análise de documentos do Plano de Ação de Emergência (PAE) para barragens passou de 2 horas e 15 minutos para apenas 14 minutos e 38 segundos. A Educação automatizou o credenciamento de instituições e cursos, facilitando o acesso à educação profissional. O trânsito, por sua vez, automatizou a análise de recursos de defesa de autuação, melhorando a eficiência e a qualidade do serviço.
A justiça e a segurança pública automatizaram o pagamento de contas de unidades prisionais e a taxação de servidores, reduzindo o tempo dedicado à burocracia. A agricultura atualizou, de maneira automatizada, a situação patrimonial de bens cedidos às prefeituras. A gestão de pessoal automatizou diversos processos de obtenção de certidões, como solicitação de certidões de rendimentos e de aposentadoria.
Em termos quantitativos, os dados demonstram redução de tempo de execução em mais de 90%; liberação de milhares de horas de trabalho; e ampliação da arrecadação em R$ 1,3 milhão.
Inteligência de dados para combate a cartéis e corrupção
Desde 2022, os avanços na área de aprendizado de máquina e o amadurecimento da utilização de tais ferramentas contribuem para que o CADE identifique problemas concorrenciais no setor de combustíveis. A solução desenvolvida pelo órgão antitruste é alimentada pelos levantamentos semanais dos preços praticados nas revendas de combustíveis pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Outra iniciativa de analytics é o projeto Cérebro, em que se utilizam técnicas de screening para detectar participantes de licitações que eventualmente combinem os preços que vão propor. A solução identifica indicadores quantitativos da possível atuação de cartéis, como baixa variância, alta correlação entre os preços, similaridades das propostas, lances de cobertura, desclassificações e a divisão de mercado.
“Esse processo é facilitado, pois o governo brasileiro adota, desde 2000, um sistema eletrônico unificado para realização de licitações públicas, o Comprasnet. Com a ampliação e centralização das bases de dados de licitações públicas no Brasil, definida pela Lei nº 14.133, de 2021, o Portal Nacional de Compras Públicas (CNPC), que receberá dados de outros sistemas de licitação utilizados por Estados e Municípios, facilitará a obtenção de informações de um conjunto maior das licitações públicas e incluirá todas as esferas de governo”, adiantam os autores do artigo.
Qualidade dos dados habilita criatividade
“A expansão da IA na administração pública brasileira não seguirá um caminho único”, concluem os autores do artigo. “Um ponto convergente entre os dois casos é a importância da cultura organizacional para o sucesso da implementação da IA. Tanto em Minas Gerais quanto no CADE, a criação de um ambiente favorável à inovação e a capacitação dos servidores foram cruciais para a adoção das novas tecnologias”, destacam.
Entre as diferenças de abordagem, em Minas Gerais se optou por mecanismos e tecnologias no-code e low-code, que dá agilidade, mas são dependentes de plataforma proprietária. O CADE optou por tecnologias mais baseadas em programação.
O artigo enfatiza que ambos os casos demonstram a importância da qualidade dos dados para o desenvolvimento de soluções eficazes de IA. “A coleta, o tratamento e a análise de dados precisos e confiáveis são fundamentais para o treinamento de modelos de aprendizado de máquina e para a geração de insights relevantes”.
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O desenvolvimento de competências, tanto no plano institucional quanto individual, é também destacado como um fundamento. “Há uma menor demanda no caso de Minas Gerais, pois o foco ainda está na construção de automatização de processos. Mas é natural que isso evolua para abranger modelos preditivos de comportamento e fortalecedores da tomada de decisão”, informa o material.