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Estratégia e governança
O crescimento acelerado da renda em países como a Índia é uma oportunidade para o Brasil diversificar suas exportações. A análise é do ex-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como Banco dos BRICS (grupo que reúne o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), Marcos Troyjo. O economista, diplomata e cientista social, além de professor associado da Fundação Dom Cabral, destaca que o Brasil pode se beneficiar dessa conjuntura, tanto do ponto de vista da geografia do destino quanto da diversidade de sua pauta exportadora.
Ao avaliar as complexidades da globalização contemporânea com foco as relações entre os dois países, Troyjo aborda o impacto da globalização, do papel da inovação e do vínculo comercial e de investimentos entre Brasil e Índia.
Globalização contemporânea
Na avaliação de Troyjo, a globalização pode ser classificada como um ‘organismo que evolui e se modifica ao longo do tempo’. Para dimensionar esse caráter transitório, ele citou o período marcado pela queda do Muro de Berlim, pelo fim da União Soviética e pela ideia de triunfo do Ocidente, que antecede, em sua visão, uma época em que houve um risco de “desglobalização”.
“Aqueles elementos de uma fórmula matemática que caracterizam o Ocidente, ou seja, o Ocidente = livre mercado + democracia representativa + sistema multipartidário + estado de direito, pareciam estar muito em voga. Do ponto de vista das trocas comerciais e das dinâmicas de investimento, era nítido que estávamos caminhando para um mundo mais integrado”, explicou o especialista.
Conforme a aproximação com o presente, alguns acontecimentos puseram em risco a globalização, como o atentado às Torres Gêmeas e o início da Guerra ao Terror, em 2001, além da crise do subprime, que deu início a um período de grande recessão na economia mundial, em 2008, e o fenômeno do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia), em 2016.
Durante o período de 1989 até 2008, Troyjo avalia que a evolução econômica do Brasil e da Índia não foi tão impressionante, se comparada com outros atores dos chamados mercados emergentes. Contudo, ele enxerga um desvio dos rumos de pouco desenvolvimento destes países e cita a gestão do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, como um exemplo dessa mudança de paradigma, ao duplicar a renda per capita em 10 anos.
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“Não é que a desglobalização se instalou em definitivo; na realidade, novas rotas estão sendo criadas por conta de uma série de dificuldades geopolíticas. Acho que existe uma nova globalização em curso, um novo capítulo da globalização que está sendo desenhado. A Índia será, sem dúvida alguma, é um dos protagonistas dessa nova fase”, afirma o executivo.
Relações comerciais
À exemplo da Índia, o crescimento vertiginoso em um curto espaço de tempo, a partir de uma base de renda per capita baixa, gera modificações no comportamento da sociedade, em diversos setores.
“Essencialmente, existem quatro pontos de transformação que a experiência nos mostra: as pessoas comem mais, portanto estamos falando de uma revolução calórica; as pessoas comem melhor, então estamos falando de uma revolução nutricional; as pessoas consomem mais energia e infraestrutura, o que pode indicar pressões adicionais sobre o mercado global de energia e de novas camadas de demanda; e, por fim, as pessoas se deslocam mais, elas se movimentam mais”, detalha Troyjo.
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Em sua opinião, o Brasil pode se beneficiar da renda incremental de outros países para diversificar suas exportações, por meio de novas relações comerciais ou da ampliação dos produtos produzidos e exportados. A variedade de bens alimentícios de padrão de competitividade internacional pode ser, de acordo com Troyjo, um dos caminhos para a expansão dos negócios entre Índia e Brasil.
Oportunidades para o Brasil
Além disso, o ex-presidente do Banco dos BRICS traz a previsão de que o fluxo bilateral de comércio deve aumentar, com base na configuração geopolítica e econômica do mundo. Troyjo destacou que o Brasil é uma das fronteiras móveis de produção de alimentos e de energia do mundo, além de ser uma sociedade de consumo intensa. Esses fatores tornam o país atraente para investimentos e exploração de mercado, levando em consideração a experiência recente da Índia no desenvolvimento de tecnologias frugais voltadas para a melhoria da vida do consumidor.
Em contrapartida, o especialista expôs dois entraves para que os países desenvolvam ainda mais a relação comercial entre si. Para ele, a falta de conhecimento e de informação sobre um parceiro em potencial afasta os mercados. O professor da FDC completa a fala usando os EUA e o Reino Unido como exemplo de aproximação com o povo indiano, devido à grande presença da população da Índia nestes países.
Somado a esse obstáculo, ele aponta as barreiras ao comércio praticadas pela Índia como motivo para o não aprofundamento das relações comerciais com o Brasil. A flexibilização de medidas protecionistas, sobretudo nos temas de alimentação e bens agrícolas, conforme Troyjo, “representaria não apenas grandes oportunidades para o Brasil, como também oportunidades de democratizar o acesso à comida na própria Índia”.