Os tempos em que apenas destacar a qualidade e vantagens dos produtos era o principal alicerce das estratégicas de marketing definitivamente ficaram para trás. Conhecido como “o pai de marketing”, o professor americano Philip Kotler, de 93 anos, defende o que chama de “marketing humanista”, que inclui a capacidade de acolher, entender e respeitar as pessoas, independentemente de raça, religião, orientação sexual ou visões distintas. O especialista disse que “tem vergonha” do que está acontecendo nos EUA atualmente.
Para Kotler, “o marketing humanista também está ligado ao apoio aos direitos humanos e civis”. Embora o professor não tenha citado nominalmente esses aspectos, o segundo mandato de Donald Trump anuncia uma série de medidas criticadas por organizações de direitos humanos, entre elas a política anti-imigração com deportações em massa, cortes em programas de assistência social, fim de programas de diversidade em agências federais, além da retirada do país da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
“Eu tenho vergonha de admitir o que está acontecendo no meu país hoje em dia. Mas não quero entrar nesse assunto agora”, afirmou o professor, em matéria publicada no Valor Econômico, baseada em aula online a alunos da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
“O valor humano deve ser o seu credo”
Kotler, que é professor da escola de negócios Kellogg, da Universidade Northwestern (EUA), defende que o marketing humanista está ligado à autonomia individual, à tolerância religiosa, ao multiculturalismo e a políticas progressistas, além da valorização da autorrealização e da criatividade. Em sua aula ao público brasileiro, deu um recado aos profissionais de marketing: “o valor humano deve ser o seu credo”, detalhando a importância de se ir além do foco no cliente e compreender o ser humano em sua totalidade.
“É preciso entender as pessoas sob duas perspectivas: sua demografia — idade, localização, escolaridade e renda — e também suas aspirações, sonhos, medos, dores e barreiras. Todas essas são rotas para se conectar com alguém”, defendeu o professor.
Empatia e respeito e “ouvir“, em vez de escutar

Para Kotler, os profissionais de marketing mais bem-sucedidos trabalham à luz desses conceitos. Mas ele provoca: “um não humanista pode ter sucesso em marketing? A resposta é sim. Um humanista pode ter sucesso ainda melhor do que um não humanista em marketing? A resposta é sim”, afirmou, acrescentando que os humanistas demonstram empatia e respeito e sabem ouvir e compreender as pessoas, ressaltando que “ouvir é diferente de escutar”.
Na visão do professor, empresas que adotam o marketing humanista, e não apenas o marketing transacional, “pagam salários maiores para atrair pessoas melhores, tratam funcionários como colaboradores (e não como pessoas a serem exploradas) e cultivam relações emocionais com comunidades, colaboradores e clientes”. Citou como exemplos positivos as empresas Nike, Starbucks, Lego, Harley-Davidson e a Coca-Cola, marca apontada por ele em outras ocasiões.
Supervalorização da IA
Em sua palestra, o professor, por fim, listou uma série de deficiências do capitalismo, entre elas “supervalorizar a geração atual e desvalorizar a geração futura” e “supervalorizar a inteligência artificial e subvalorizar a inteligência humana”.
“A IA parece nos transformar em robôs, de certo modo, e ninguém tem uma resposta definitiva para esse dilema”, afirmou. Para ele, a tecnologia vai transformar o marketing e pode até aprimorar o relacionamento entre empresas e clientes, mas seu sucesso dependerá da personalização dessa interação.
Transformações globais impactam o negócio
O tema tecnologia é recorrente nas palestras de Kotler. Em outra ocasião, em outubro do ano passado, o Seja Relevante publicou matéria na qual o professor defende que as transformações globais atuais – desde o avanço das tecnologias até a necessidade de contenção de mudanças climáticas – impactam diretamente os negócios e, por isso, quem não se modernizar está fadado ao fracasso.
“Se você não modernizar sua empresa, em cinco anos ela não terá mais competitividade. Principalmente se não houver investimentos em sustentabilidade”, disse o especialista, destacando sempre a criação de valor para o cliente, o treinamento de funcionários e várias formas de atrair a decisão de compra e a fidelização do cliente.