“Ética não é cosmética, e isso vale para a mostrar que a ideia de apenas representar algo de fachada é desmoralizador”. Esta frase sobre o greenwashing resume a avaliação do filósofo, escritor e educador Mário Sérgio Cortella sobre a importância das ações responsáveis das empresas, hoje condensadas no conceito ESG. Mais ainda, ele fala sobre a fertilidade brasileira para inovação e adverte para a necessidade das organizações trabalharem com diversidade.
Acompanhe os principais trechos da entrevista cedida com exclusividade ao Seja Relevante.
Qual é a sua reflexão sobre as dificuldades naturalmente impostas às empresas brasileiras e à inovação?
A dificuldade é provocadora da inovação. Na trajetória humana, seja na evolução biológica ou seja naquilo que é organização das sociedade e das culturas – o que se chama de civilização – foram exatamente as dificuldades que nos moveram a ir além de onde se estava. Portanto, não há incompatibilidade entre dificuldade e inovação. Ao contrário: quando eu falo de provocar, na origem latina do termo, significa chamar para você. E nesse sentido, as dificuldades fazem essa tarefa.
Gosto de lembrar do grande escritor gaúcho, Aparício Torelly, que adotou o apelido de Barão de Itararé. Ele dizia algo que parece óbvio: a vida seria mais fácil, não fossem as dificuldades. Então, a gente olha e fala: mas é claro. Bom, se “mas é claro”, então só tem uma alternativa para escapar das dificuldades: fazer diferente do que se fazia, já que aquilo que se fazia não está surtindo resultado e está gerando dificuldade. Isso é o sinal de que é preciso inovar. Nesse sentido, a dificuldade é uma impulsionadora, uma provocadora de algo que nos leve por um patamar melhor.
Como você avalia que a diversidade é um dos pontos que impõe dificuldades para a sociedade e para as empresas brasileiras?
Um termo que lembro bastante é: “diferentes sim, desiguais jamais”. Reconhecer as diferenças não significa admitir as desigualdades. Homens e mulheres somos diferentes, não somos desiguais. Brancos e negros somos diferentes, não somos desiguais. Nordestinos e sudestinos somos diferentes, não somos desiguais. Nesse sentido, a diferença é um elemento étnico biológico, eventualmente social. Mas a igualdade é de natureza ética. E, nessa hora, uma das coisas que faz com que haja maior dificuldade na perenização das organizações é elas serem ainda segregadoras e menos inclusivas do que deveriam ser. As empresas precisam ser diversas porque a diversidade é um patrimônio e não um encargo. A diversidade amplia o leque de alternativas de percepções de convicções, além de ser justa.
Como você avalia o termo ESG?
Sem dúvida o ESG é uma forma de atração de um diálogo como algo que nos move a ter de pensar no tema. A necessidade já existia, mas o ESG hoje traz a noção de urgência sobre ele, posto que a temática era anterior ao uso do termo. Por outro lado, ética não é cosmética, e isso vale para a mostrar que a ideia de apenas representar algo de fachada é desmoralizador (greenwashing). Pode até ter um sucesso imediato, pode até ter um efeito propagandístico, mas não terá perenidade. Afinal de contas, a única maneira de demonstrar algo é encarnando.
Pode explicar melhor?
Pondo em uma situação concreta: uma empresa não pode ter como referência o esgotamento da comunidade na qual ela está inserida. Uma organização não pode exaurir essa comunidade em troca de algum benefício de lucratividade, se não há uma responsabilidade de retorno. Nesse sentido, o conceito em si [do ESG] pode ser construído de vários modos. Depois ele vai ser reinventado, recriado. O que ele não pode é ser destruído, porque serve até como um incômodo para aqueles que não têm nele uma crença mais imediata. O conceito serve para não nos deixar na obscuridade dessa questão. Então eu não tenho uma visão catastrofista dessa relação, mas também não tenho uma visão triunfalista, no sentido de supor: “ah, agora sim: com um conceito existente nós vamos fazer”.
Você disse considerar o greenwashing uma ameaça…
É preciso lembrar que os gregos antigos usavam no teatro um termo para o ator, para aquela pessoa que estava no palco representando algo, fingindo ser algo. Esse termo era: hipocrisia. De onde veio a palavra hipócrita: o hipócritas era o ator que ali simulava algo. A palavra hipócrita acabou ganhando um conceito ético negativo, de uma coisa mais perigosa. Nessa temática, a hipocrisia acontece quando não há autenticidade e nem coincidência entre o dito e o feito, entre o anunciado e o praticado, entre o proclamado e o vivido. Se a gente quiser destruir o conceito [ESG], portanto, é só a gente fingir em vez de realizar.