Que trabalhador não sonha com um salário elevado e um pacote generoso de benefícios? Essa situação tão almejada, porém, pode corresponder ao fenômeno denominado como “algemas de ouro”, no qual a organização oferece altas remunerações e bônus, mas aplica um sistema de cobrança de resultados cruel, muitas vezes impondo ao colaborador metas inatingíveis, o que vai gerar uma espécie de aprisionamento do funcionário e até mesmo prejudicar sua saúde física e mental.

O fenômeno foi alvo de estudo da professora da Fundação Dom Cabral (FDC) Alice Oleto, em conjunto com Jefferson Rodrigues Pereira e Welliton Glayco da Fonseca. O levantamento foca especificamente no sistema bancário de Minas Gerais, pois o setor, segundo Oleto, é um dos que envolvem maior pressão por resultados e lucro. Mas a realidade encontrada no segmento pode ser comparada ao relacionamento de diversas grandes empresas com seus funcionários, situação que também pode envolver as “algemas de ouro”.

Dependência financeira é a base das algemas de ouro

Em podcast da FDC, Alice Oleto explica que muitas organizações prestigiam seus funcionários com benefícios como salários elevados, pacotes de bônus atrativos, planos de aposentadoria diferenciados e bons planos de saúde. Cria-se, então, uma dependência financeira do trabalhador por essas vantagens e o status que proporcionam. Porém, a situação pode gerar aprisionamento, quando o ambiente de trabalho não é saudável. Estabelece-se uma situação de ambiguidade entre recompensa e dependência.

“Trata-se de uma estratégia corporativa de retenção de talentos. As empresas oferecem benefícios generosos para manter aquele trabalhador, mesmo que ele seja submetido a condições de trabalho extremamente estressantes, muitas vezes até prejudiciais à sua saúde”, explica a professora.

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Assédio moral

O estudo aponta que o conceito de algemas de ouro aparece principalmente onde a rotina laboral é marcada por abuso, pressão excessiva por metas e assédio moral. Adota-se a técnica de “gestão por medo”, para forçar a produtividade, e o assédio pode envolver até mesmo humilhação e ameaças. Segundo Oleto, dentro da lógica das algemas de ouro, o funcionário tende a justificar seu sofrimento com a ideia de que os benefícios vão compensar o mal-estar que está vivendo.

“A tática de gestão por medo pode abalar a autoestima do trabalhador, pode levá-lo a questionar sua própria capacidade. Muitas vezes, o profissional atinge um desgaste emocional muito alto, mas ele não se vê capaz de questionar a condição que está vivendo, o que é um aprisionamento, um círculo vicioso de permanência naquele ambiente não saudável”, argumenta Oleto.

A professora explica que o cenário de estresse crônico pode levar a transtornos de ansiedade, depressão, distúrbios de humor e pânico. O ápice pode ser o burnout, doença que envolve exaustão extrema, altíssimo nível de estresse, perda de personalidade e baixa realização pessoal. Mas o funcionário pode ter dificuldade de deixar um trabalho assim, porque além de perder dinheiro e benefícios, pode associar sua desistência a uma falha ou fracasso. Fica  difícil romper o vínculo e abrir mão do prestígio conquistado.

Não há canal para denúncias

Oleto chama a atenção para o fato de as empresas não terem um canal onde seja possível expor os excessos e, nas poucas organizações que têm este recurso, os funcionários não recorrem a ele, por não sentirem segurança em usá-lo. Fica evidente que falta uma política de saúde mental nas organizações. Por isso, a professora defende iniciativas corporativas que repensem essas práticas, tentando equilibrar as metas com a saúde dos funcionários.

Mas a situação pode sair de controle pelas organizações e a elevada pressão sobre os funcionários pode gerar prejuízos para as próprias empresas. Oleto cita algumas consequências, como aumento de faltas no trabalho devido a problemas de saúde, alta rotatividade nas equipes, riscos de judicialização trabalhista e impacto negativo na imagem da empresa, o que pode prejudicar a retenção de novos talentos. Outro grande prejuízo é o oposto do que se espera do aperto ao desempenho dos funcionários, no qual o estresse do trabalhador e sua eventual evasão ameaçam os bons resultados da empresa, levam à queda de qualidade no atendimento e dificultam a retenção de clientes.

Segundo os entrevistados, a política das algemas de ouro é uma faca de dois gumes, podendo ser prejudicial tanto aos trabalhadores quanto às corporações.

Confira a seguir o podcast na íntegra.