O cérebro humano pode ser a chave para o desenvolvimento de líderes mais eficazes e colaborativos. Segundo Javier Casademunt, professor da Fundação Dom Cabral (FDC) e especialista em neurociência aplicada à liderança, a neuroplasticidade e o funcionamento cerebral podem ser usados para melhorar habilidades de liderança, como a capacidade de engajar e motivar equipes, especialmente em um ambiente onde as novas gerações apresentam desafios emocionais e de saúde mental.
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Em entrevista ao Seja Relevante, durante o Simpósio Internacional Side Event G20 by FDC e Conseplan, que reuniu autoridades de todo o Brasil, além de especialistas e líderes dos setores públicos e privados de países do G20, Casademunt destacou a importância de gestores terem autoconsciência sobre como seu próprio cérebro funciona, de modo a entender e gerenciar melhor seus times. Além disso, o especialista falou do impacto da “equalização hormonal” — um fenômeno descoberto pela neurociência que mostra como o estado emocional dos líderes pode contagiar positiva ou negativamente toda a organização e até o ecossistema externo a ela. Segundo ele, transformar a saúde emocional da alta liderança é o primeiro passo para criar empresas mais saudáveis e, por consequência, contribuir para o bem-estar social como um todo. Leia a seguir.
O foco da sua pesquisa é a neurociência, mas antes de falar dela, queria que compartilhasse qual é, ao seu ver, o principal desafio, de forma geral, das lideranças atualmente?
Engajamento e motivação são dois elementos muito desafiadores, especialmente nas novas gerações. Está cada vez mais difícil engajar e motivar equipes. E essas duas coisas, engajamento e motivação, são a chave do desempenho extraordinário, que gera altos resultados.
E como a neurociência apoia no desenvolvimento dessas skills necessárias para que um líder possa desempenhar um bom trabalho?
A neurociência, hoje, e especificamente as últimas pesquisas em neuroanatomia e neurobiologia, mostram o seguinte: todas as nossas soft skills estão diretamente relacionadas com determinadas áreas do cérebro e cada uma dessas áreas traz para nós uma determinada competência, por exemplo, capacidade de colaboração, orientação e objetivos.
Hoje sabemos que esse conjunto de habilidades pode ser treinado, como fazemos, por exemplo, na Fundação Dom Cabral, mas também que estão diretamente relacionadas com determinadas áreas do cérebro. E a parte mais desafiadora é que também descobrimos que essas skills trazem consigo determinadas tendências e desafios emocionais.
Ou seja, aquilo que pensávamos antes estava completamente dissociado. Hoje, sabemos que esses problemas de saúde emocional e esses e essas soft skills formam parte do mesmo espectro. Estão em lados opostos do mesmo espectro.
Então esse é um ponto muito importante para a gestão de pessoas?
Sim. Nós precisamos ter a certeza de que as pessoas que nós contratamos para determinadas posições, que escolhemos pelas habilidades, também terão determinados desafios emocionais que o líder precisa entender para conseguir apoiar e fazer com que a organização chegue aos melhores resultados.
E como isso funciona, de fato, nas organizações públicas e privadas?
Nosso papel dentro das escolas de negócios é criar essa consciência a respeito dessa relação entre neuroanatomia, soft skills e desafios emocionais.
Agora, obviamente, para você ter um líder capaz de fazer essa distinção, é preciso capacitá-lo de forma específica. Mas o importante é, inicialmente, a autoconsciência: que o líder saiba como é o seu próprio cérebro e como isso impacta emocionalmente. A partir daí, ele consegue ter melhores leituras da sua equipe.
Um exemplo disso é que, historicamente, nós falamos que as gerações baby boomers lideravam toda a equipe de maneira muito semelhante. Havia muita diligência, pressão e pouca diferenciação. Hoje em dia as lideranças estão muito mais sensíveis a essas diferenças.
É possível concluir, então, que o adoecimento das lideranças e dos liderados está muito ligado a essa falta de conhecimento?
Totalmente. Obviamente existem muitas variáveis, mas esse ponto é fundamental, pois líderes são aqueles que devem estar à frente de saber como motivar, engajar e desenvolver cada um dos liderados. Essa gestão já foi igual para todos. Café para todos não funciona. Historicamente era assim, mas hoje sabemos que é papel do líder extrair o melhor de cada um deles, evitando o adoecimento.
O que nós temos visto nas nossas pesquisas é que, seja em grandes companhias ou entre empreendedores e microempreendedores, o problema de adoecimento emocional vem da liderança para baixo. E acontece por um fenômeno que sabemos, hoje, graças à neurociência, chamado equalização hormonal.
E entra aí a alta liderança?
Sim. Podemos dizer que 90% dos boards das empresas têm níveis de ansiedade e estresse muito altos, o qual acaba contagiando a organização toda. Há estudos que mostram, a partir de experiências, que uma pessoa poderia impactar a saúde emocional da outra sem conhecê-la, simplesmente pela proximidade em círculos sociais, ou seja, sua relação com terceiros.
Assim, tenho certeza de que a cura da sociedade só pode vir através de grandes empresas, por meio do contágio positivo de curar os líderes, curar a empresa toda e, a partir daqui, a organização ressoa essas emoções positivas e, com essa relação dos círculos sociais, acaba cuidando e curando a sociedade como um todo.