Filas em repartições, malotes de documentos ou noites viradas para fazer a declaração de renda já fazem parte de uma memória nada saudosa. Os avanços em governo eletrônico já tornaram tudo isso anacronismos. No entanto, a estratégia de digitalização vai além de otimizar os processos já estabelecidos. “Serviços antes marcados por burocracias infindáveis agora podem ser acessados de maneira ágil e simples, muitas vezes com um clique. No entanto, essa transformação não é apenas sobre conveniência. Trata-se de reconstruir a confiança, essencial em sociedades democráticas. Ao oferecer mais transparência e participação, a tecnologia também empodera o cidadão, tornando-o um ator mais ativo na construção de políticas públicas”, argumenta Sandro Luís Brandão Campos, secretário-adjunto de Planejamento e Governo Digital do Mato Grosso.

“A transformação digital é mais do que uma simples mudança tecnológica; é um convite para reimaginar como os governos podem atender suas populações”, resume o especialista. Em entrevista ao Seja Relevante, Campos aponta como a inovação tecnológica se relaciona aos cinco pilares da estratégia de transformação digital.

No eixo de Serviços Públicos, ele destaca não apenas a automação e simplificação dos processos já existentes, como também uma maior integração entre vários órgãos públicos, cuja divisão de competências e alçadas deve ser transparente ao cidadão. Na prática, a ideia é livrar o cliente da responsabilidade de transitar as informações de um órgão de governo a outro. Nesse contexto, o pilar “Dados” tem a ver com a premissa técnica de plataformas padronizadas e interoperáveis.

No entanto, esse pilar tem implicações tanto na gestão quanto na entrega dos serviços. “Os dados são o coração da transformação digital. A coleta, organização e análise de dados permitem tomadas de decisão mais informadas e baseadas em evidências. Na administração pública isso pode significar identificar prioridades ou otimizar investimentos. E também personalizar cada vez mais os serviços para o cidadão”, descreve.

Fissão digital: uma reação em cadeia entre núcleos de inovação

Avanços como assinatura digital, documentação eletrônica e simplificações em outros procedimentos oficiais têm efeitos além da racionalização no setor público. Ao estabelecer normas, alinhadas às leis de proteção de dados e outras premissas de governança, os órgão públicos geram uma referência segura para inovação em todos os setores. “Regulamentações claras ajudam a evitar lacunas legais e criam um ambiente seguro para a implantação de tecnologias mais modernas”, afirma.

Junto a Serviços Públicos, Dados e Regulamento, os outros pilares elencados por Campos se referem a mudanças de atitudes e expectativas do público interno e os clientes. “Nenhuma transformação é possível sem mudança cultural. É essencial fomentar uma mentalidade de inovação e colaboração entre as equipes. Tecnologia, temos as melhores do mundo à nossa disposição, mas só serão transformadoras se os servidores públicos empreenderem nas políticas públicas pelas quais são responsáveis”, pondera.

Outra premissa é o Foco no Usuário. Segundo ele, os serviços não podem ser avaliados somente sob o viés da administração pública. “Temos que mudar a perspectiva para a visão do cidadão, que é o âmago de todo processo digital”, pondera.

Campos cita um exemplo simples disso, a partir da perspectiva de modernização de cada órgão de gestão, que poderia criar um aplicativo para entregar seu serviço. Segundo ele, sob o ponto de vista de publicidade e de promoção de agilidade, poderia ser bom, mas, na ótca do cidadão, o governo teria mais de 30 aplicativos, o que agravaria a complexidade de lidar com as instâncias da administração pública.

“Quando uma instituição consegue observar esses pilares importantes da transformação digital trabalhando em conjunto, formando uma estrutura sólida, e bombardeando com essa abordagem a sua rotina de trabalho, que é uma grande massa crítica, um núcleo pesado, há um grande choque nesse processo, provocando uma reação em cadeia pela energia e movimento causado por esse impacto, numa visão de fissão digital, assim como o processo da física de fissão nuclear”, escreveu Campos em artigo no 360 News.

Em sua avaliação, temos como sustentabilidade, economicidade, democracia, justiça social, desenvolvimento, satisfação do cidadão, integração, confiança são elementos desejados pelas políticas públicas. “Mas, para terem perenidade e continuidade, eles elementos precisam ser apoiados por diversos itens que os pilares da transformação digital podem proporcionar”, pontua.

O especialista enumera os vários pilares e tudo o que cada um deles envolve. No pilar de regulamentos, segundo ele, estão temas como mais segurança, modernidade e harmonização dos entendimentos. Já no pilar de estratégia estão quesitos como planejamento, perenidade e uma visão de futuro. O pilar de serviços públicos inclui transformação, agilidade e simplificação. O pilar de dados, por sua vez, oportuniza a proatividade e personalização na entrega dos serviços.

Além destes, existem outros pilares citados por Campos, como o da cultura, que promove o empreendedorismo, a ciência e a inovação, o de plataforma, que consolida as soluções, trazendo mais progresso, facilidade e tecnologia, e o de usuários, quepromove a inclusão, letramento digital e a liberdade. “Com esses itens sendo trabalhados no movimento proporcionado pela transformação digital, temos uma oportunidade ímpar de modernizar a administração pública e revolucionar o modelo de entrega de serviços”, disse o secretário.

Desafios técnicos e culturais da digitalização

“Embora promissora, a fissão digital enfrenta desafios práticos que precisam ser superados para garantir o sucesso da transformação”, reconhece Campos.

Entre os problemas relacionadas à tecnologia, o gestor aponta a desigualdade da infraestrutura de conectividade; cibersegurança e interoperabilidade entre os sistemas e órgãos públicos.

O letramento digital é outra lacuna, tanto para a inclusão quanto para se superar resistências culturais. “Há um clamor da nova geração, que demonstra ser absurdo o deslocamento, enfrentamento de filas e impressão de documentos para conseguir se relacionar com a administração pública”, constata.