Campinas, no interior de São Paulo, foi classificada em primeiro lugar no ranking de saneamento entre as cidades com mais de 500 mil habitantes no Brasil. A classificação é do Instituto Trata Brasil e tem como base os dados do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS) 2022.
Resumidamente, a classificação considera um trio de quesitos, que inclui nível de atendimento, melhoria do atendimento e nível de eficiência. Em métricas, a cidade mostrou um investimento médio por habitante/ano de R$ 151,24 e um indicador de perdas de 20,2%, a metade da média nacional.
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À frente dos resultados positivos está a Sanasa, a companhia de economia mista, cujo maior acionista é a prefeitura de Campinas. Seu presidente, Manuelito Magalhães Júnior, defende que o problema do saneamento básico no Brasil não está no fato de as concessionárias serem públicas ou privadas.
“O problema é a gestão”, explicou em sua apresentação durante o encontro realizado pela iniciativa Imagine Brasil, da Fundação Dom Cabral (FDC), em parceria com o Instituto Trata Brasil, no final de abril, em São Paulo.
Segundo o executivo, para reduzir o déficit do setor, as concessionárias precisam de investimento e de melhoria na gestão. Nesse último caso, a qualidade ruim das informações no segmento joga contra a busca de universalização, pois leva a um mau diagnóstico, na avaliação dele.
Manuelito, como é conhecido no setor, traçou um perfil médio do segmento, ao lembrar que a tarifa média no Brasil é baixa e que as cidades não estão preparadas para um cenário de severidade climática, com chuvas mais intensas, que exigem uma infraestrutura de drenagem adequada.
Adicionalmente, o executivo argumentou que o planejamento deve estar alinhado com o desenvolvimento urbano. “Tem que haver compatibilidade”, explicou.
Gargalo na cadeia de fornecimento
O planejamento também deve levar em conta a cadeia de fornecimento do setor. As concessões no Rio de Janeiro, a partir do leilão da antiga Cedae, a companhia estadual, levaram a um aquecimento da demanda de insumos. Com isso, faltaram, por exemplo, hidrômetros para concessionárias como Sanasa e Sabesp.
Antônio Carlos Teixeira, assistente executivo da diretoria de Operação e Manutenção da Sabesp, confirma a avaliação de Manuelito. “A demanda é grande, mas falta infraestrutura”. Segundo ele, as companhias de saneamento têm dificuldade, inclusive, de contratar empresas especializadas em projetos.
No radar dos especialistas, a questão tributária aparece com destaque. Para Manuelito, da Sanasa, a reforma trará – na atual configuração – um aumento de custos para o saneamento e, consequentemente, aumento da tarifa.
Para Roberto Barbuti, CEO da Iguá, o assunto deveria ser o foco de um possível grupo de trabalho de saneamento no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS). Presidente do conselho da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon), Barbutti acredita que a reforma tributária vai levar a dificuldades no recebimento de tarifas.
Renato Medicis, vice-presidente da Aegea Saneamento, reforça a avaliação dos dois executivos. “Temos que falar em desoneração (das tarifas), caso contrário não chegaremos à universalização dos serviços”, disse.
Medicis confirmou os dois assuntos – reforma tributária e regulação – como prioritários no setor. Sobre vários projetos, ele destaca que em média se gasta três anos, dentro de um prazo média de implantação de dez anos, somente para o licenciamento ambiental.
Sobre esse tema, Teixeira, da Sabesp, informa que a concessionária paulista tem projetos em andamento cujo processo de licenciamento ambiental já completou dez anos.
O vice-presidente da Aegea, por sua vez, mostrou um componente importante no ecossistema de saneamento: a engenharia social. Um dos exemplos é Manaus, onde mais de 100 mil famílias tiveram os serviços de água e de esgoto regularizados.
Saneamento na agenda pública
O caso clássico – premiado pela ONU – é o do Beco Nonato. A comunidade foi a primeira área de palafitas a receber o serviço de esgotamento sanitário na capital do Amazonas.
O projeto favoreceu mais de 900 moradores e mostrou resultados importantes, como a queda de 67,5% na demanda bioquímica de oxigênio (DBO) no igarapé da comunidade em dez meses. Lembrando: quanto maior o índice de DBO, maior é a poluição.
A experiência positiva das concessionárias foi destacada por André Machado, coordenador de Relações Institucionais e Comunicação no Instituto Trata Brasil.
Para ele, os exemplos de formulação e aplicação de políticas públicas apresentados no encontro promovido pela iniciativa Imagine Brasil podem ser usados no encaixamento do assunto na agenda dos decisores políticos municipais.
Machado avalia que bons indicadores colocam o saneamento na disputa de espaço com outras demandas legítimas, incluindo educação e saúde.
Ele também ressaltou a mudança positiva trazida pela estruturação de projetos, com o trabalho do BNDES, que têm uma carteira desenvolvimento de empreendimentos em 18 estados. O banco também é peça-chave no financiamento do setor, inclusive com novas modalidades, caso da emissão de debêntures incentivadas.
O trio de professores da FDC que coordenou o evento – Viviane Barreto, Virgílio Viana e Adriano Stringhini – também defendeu a agenda positiva dos especialistas reunidos em São Paulo.
Entre os próximos passos, eles destacaram a possível criação de um grupo de trabalho junto ao CDESS, também conhecido como “conselhão”, e um seminário focado em boas práticas do segmento, com apresentação de mais casos reais de concessionárias.