Passadas as eleições americanas, temos um redesenho das relações internacionais em curso. A forte vitória dos republicanos induz a uma mudança de postura de diversos atores globais.
Enquanto este artigo está sendo escrito ainda não temos totalmente claro o quadro dos nomeados aos cargos-chaves no governo dos EUA, nem as políticas internacionais que serão adotadas. Porém, a percepção principal é a de que o novo governo irá encarar a China como seu principal adversário geopolítico, por ser uma nação muito forte economicamente, e com uma força militar em ascensão, o que desafia o poder militar dos EUA no longo prazo.
A marcha para a guerra fria
Isso dará continuação a um movimento que teve origem na crise de 2008, quando o governo dos EUA decidiu iniciar o processo de retomada da industrialização dos EUA (Re-shore). Dez anos depois, em 2018, o Departamento de Defesa decidiu se preparar para uma guerra com “inimigos mais poderosos”, a China e a Rússia.
Em 2014, a invasão da Ucrânia acendeu o alerta de que a Rússia não estava sendo contida pelos acordos econômicos de compra de petróleo e gás, e estava sendo estimulada militarmente.
Em 2020 foi feito um acordo com os Talibãs, para que os EUA se retirassem do Afeganistão, o que levou à retirada desastrosa de 2021. Em fevereiro de 2022, China e Rússia fizeram um acordo de “amizade sem limites” para estabelecer “uma nova ordem mundial mais justa”. O efeito quase imediato foi a invasão da Ucrânia naquele mesmo mês pela Rússia.
O ocidente reagiu, levando a uma percepção de que uma nova guerra estava em curso e que a China e a Rússia eram os principais adversários.
Em outubro de 2023, o Hamas atacou Israel, levando a guerra para o Oriente Médio, e eventualmente envolvendo o Irã. Em 2024 a Coréia do Norte passou a fornecer armamento e homens para a Rússia lutar na Europa. É a primeira vez, em séculos, que tropas asiáticas lutam na Europa.
Contrapondo a China

O governo dos EUA provavelmente elevará tarifas de importação contra a China, na tentativa de forçar empresas que querem exportar para os EUA a saírem de lá. A estratégia seria enfraquecer economicamente o país.
Os chineses pretendem, atualmente, ter 1.500 ogivas nucleares e seis porta-aviões em 2035. Isto para poderem “resolver o problema de Taiwan” até o final da década que vem. Ou seja, o planejamento deles é tentar uma ação militar direta, ou indireta, entre 2035 e 2040.
Uma guerra nos próximos anos foi simulada várias vezes em jogos de guerra, e mostrou que se Taiwan estiver sozinha, a China provavelmente venceria, mas se houver apoio dos EUA, Reino Unido e Japão, a China dificilmente sairia ganhadora.
Um desembarque chinês provavelmente ocorreria no Sul de Taiwan, perto da cidade de Kaohsiung.
Uma outra possibilidade é a China atacar as Filipinas, por conta de disputas de águas territoriais no Mar do Sul da China, em particular a ilha da Palawan. Ali, as defesas são muito menores e talvez os EUA não estejam dispostos a ir a uma guerra por conta de uma ilha de menor importância geral.
A grande vulnerabilidade da China numa guerra deste tipo seria a possibilidade de ser bloqueada navalmente por meses, sem receber recursos de comida e petróleo. Uma guerra para a China tem de ser rápida e decisiva.
A tarefa do governo recém-eleito será conter a China, esvaziando economicamente, e se necessário for, entrar numa guerra que a impeça de consolidar ganhos territoriais.
Oriente Médio e a transição energética

A segunda prioridade do novo governo deverá ser apoiar Israel e pressionar o governo do Irã. É importante notar que existem fortes indícios de que o Irã ou já tem, ou está muito próximo de ter armas atômicas.
No passado, Israel venceu suas guerras, mas foi limitado em atingir seus objetivos militares por pressão da então União Soviética, que ameaçava enviar tropas e começar um conflito maior. Agora, com o enfraquecimento da Rússia e o desinteresse da China, Israel pode agir com mais apoio dos EUA.
Um conflito naquela região poderá temporariamente elevar os preços do petróleo até US$ 200 ou mais, o que criaria uma crise econômica forte e prejudicaria principalmente a China, que depende de 40% das exportações do Irã.
Uma das razões pelas quais se está fazendo a transição energética no mundo todo é justamente criar uma alternativa contra este cenário de elevação do preço do petróleo.
Os EUA já fizeram em boa parte a sua transição energética e o novo governo já deixou claro que vai aumentar a extração de petróleo e gás no território.
As reservas de petróleo da América do Sul, em particular do Brasil, bem como as energias alternativas do Brasil, podem ser uma importante proteção contra um aumento repentino e duradouro dos preços de energia.
A Guerra na Europa

A terceira prioridade do novo governo será a de tentar controlar a escalada da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Aqui, o que vai acontecer é menos definido, pois embora se queira evitar uma vitória da Rússia, uma trégua seria quase impossível, e não atenderia nem aos interesses da Ucrânia nem da Rússia.
O problema é que a Rússia espera uma vitória completa com o total desarmamento a Ucrânia, o que seria suicídio para o país.
Por outro lado, a Ucrânia não aceita a perda de seus territórios, o que constituiria um prêmio para uma invasão e estimularia outras autocracias pelo mundo a adotar ações similares, de maneira a criar um “fato consumado” e depois negociar.
O resultado mais provável é o de não se conseguir fazer um acordo e a guerra continuar, o que é ruim para os dois lados, mas talvez seja pior para a Rússia, que esperava uma paz forçada.
A Europa irá ser forçada a gastar mais dinheiro com defesa e acelerar sua transição energética.
Um mundo em transição
Fica claro que nos próximos quatro anos a geopolítica não se manterá estática.
Nos próximos quatro anos, a postura dos EUA deverá ser mais proativa em temas geopolíticos, o que pode gerar conflitos regionais e crises econômicas.
Isto poderá gerar guerras regionais, mas dificilmente uma guerra global. Crises econômicas podem ocorrer por conta destas guerras.

* Paulo Vicente dos Santos Alves é professor de estratégia da Fundação Dom Cabral.