A China pode ter grande predominância no mercado mundial, mas um contexto complexo pode levar países em desenvolvimento a alcançar vantagens nessa situação. Grandes empresas e países, principalmente no mundo ocidental, têm se esforçado cada vez mais para diversificar as fontes de suas importações, a fim de diminuir a dependência de um único supridor, no caso a China. A situação abre múltiplas oportunidades para países emergentes competirem com os produtos chineses e conquistarem destaque no comércio internacional.
O raciocínio foi exposto por Martin Wolf, comentarista chefe de economia do jornal Financial Times, durante conversa com o Conselho Internacional da Fundação Dom Cabral (FDC). Wolf vai além do cenário da China como grande exportadora e destaca que, justamente por ser uma grande potência, o país precisará se tornar também um grande importador para suprir suas necessidades, o que também abre oportunidades para muitas economias em desenvolvimento de todas as partes do mundo.
“China Shock”

O grande papel da China na economia mundial levou, segundo Wolf, a se falar em um mundo “hiper globalizado” e no efeito “China Shock” nos EUA.
A concorrência entre os dois países e medidas impostas pelos EUA para conter a relevância da China no comércio mundial têm levado os EUA a viver uma situação em que a nação se afasta de instituições internacionais e suas regras, devido à ansiedade causada pelo reconhecimento do país oriental como potência econômica e geopolítica. Wolf destaca que a China é o principal país emergente do mundo, mas há espaço para o sucesso de países em desenvolvimento na economia global.
“Tem havido um grande esforço de companhias de porte, em especial no mundo ocidental, de diversificar suas fontes de suprimentos vitais. A razão desse movimento de busca de novos mercados é a preocupação dessas empresas com os riscos de lidar com apenas uma economia supridora, no caso a China. Esse cenário abre muitas oportunidades para empresas de países emergentes ocuparem esse espaço”, explica Wolf.
“Além disso, a China é uma grande economia, com muitas necessidades de importação, o que faz dela um grande mercado importador, abrindo muitas oportunidades para os países emergentes. Neste cenário, o mundo ocidental não é um mercado tão dominante como já foi”, acrescenta o comentarista.
Leia também:
Relação China-Brasil envolve desafios e oportunidades
Cadeias de suprimento
Mas neste novo quadro, há uma grande dificuldade de os países se libertarem da dependência da potência chinesa, pois o país domina muitas cadeias de suprimentos. As empresas tentam importar itens do Vietnã, Índia e México, por exemplo, mas há uma situação intrincada, pois esses países também importam da China.
Wolf comentou a associação das cadeias de suprimentos a uma “revolução verde”, as mudanças climáticas e a sustentabilidade. Segundo ele, o debate sobre mudanças climáticas ganhou corpo nos últimos 20 anos e nesse período houve uma guinada de esforços tecnológicos para que o mundo tenha uma base renovável, o que é muito positivo.
Leia também:
Empresas devem se mobilizar para combater mudanças climáticas
“Isso significa que as transições para uma revolução verde já são viáveis economicamente e há a possibilidade de termos sistemas mais baratos e mais saudáveis. E para países como o Brasil, que tem muitos recursos naturais, isso seria muito relevante, um boom colossal”, afirmou Wolf.
Investimentos vultosos
O problema, segundo o comentarista, é que para fazer essa transição é preciso haver vultosos investimentos, o que implica dificuldades para países pobres ou em desenvolvimento, que precisam de financiamento. Sobre o quadro climático, Wolf considera que o controle das mudanças no meio ambiente continua sendo “muito controverso politicamente”.
“A política internacional continua muito difícil em relação às mudanças climáticas e muito do que conquistamos no Acordo de Paris não tem sido aplicado efetivamente”, argumentou.
Apesar das dificuldades, para Wolf haverá oportunidades para pequenos países ou em desenvolvimento em relação a uma economia verde, pois a tecnologia necessária para isso não é mais hermética, é acessível, e não há realizações que só grandes companhias podem fazer.
Investidores visam o lucro

“Os investidores vão sempre olhar para o retorno, para o lucro. Mas, se conseguirmos concordar em criar uma política na qual fazer a coisa certa é também lucrativo, isso iria resolver grande parte dos problemas, tanto nos EUA, quanto na China e nos países emergentes”, defendeu Wolf.
Leia também:
O comentarista acrescentou que está relativamente otimista de que as companhias possam alcançar seus objetivos verdes, mas reafirma que isso irá envolver muito capital de investimento. Ele cita como exceção empresas ligadas a combustíveis fósseis, que podem não aderir a uma produção verde, pois seria como um “suicídio’’ em relação a suas atividades principais.
Os procedimentos em relação à mudança climática também envolvem uma contradição. A busca por sistemas de energia zero carbono, zero emissões, vai envolver atividades como exploração, escavação de minérios e todo tipo de transporte, poluente ou não. Ou seja, vai envolver “recursos sujos”. Mas, segundo Wolf, esse é um dilema com o qual o planeta tem que lidar.
Não há como prever o futuro da IA
O comentarista também abordou o avanço da Inteligência Artificial, afirmando que não há como prever o futuro da IA. Supõe-se que os robôs serão cada vez mais sofisticados, mas não sabemos ainda como será o choque para diferentes classes de trabalhadores. Wolf se preocupa com a falta de regulação desse cenário e se diz bastante preocupado com a geração de fake news, fake fotos e fake vídeos.
Wolf respondeu a uma pergunta sobre a queda de fertilidade no mundo, inclusive no Brasil, e suas consequências para a economia mundial. O comentarista afirmou que as taxas de fertilidade estão caindo em todo o planeta, com exceção do Sul da Ásia e da África.
“Há 50 anos, todos estavam preocupados com o boom de nascimentos e agora a preocupação é não haver gente suficiente no mundo”, diz o comentarista, acrescentando que não consegue prever o futuro dessa situação. Uma das consequências, para não estourar os gastos com aposentadorias, poderá ser de termos que trabalhar por mais tempo.
Fluxo migratório
Segundo Wolf, ainda sobre as taxas de fertilidade, as previsões também dependem do futuro do fluxo migratório, que será uma grande questão no mundo, porque países com população decrescente terão que “importar pessoas”.
“Uma das lições que aprendemos neste cenário é que os países, mesmo os com regime autoritário, podem enriquecer, mas não há nada que os leve a gerar mais bebês”, afirmou.
Ética e virtudes
Sobre o papel das escolas de negócios e universidades na economia, Wolf sustenta que elas devem se comprometer com o desenvolvimento da sociedade e de seus líderes, tendo como pilares a ética, valores e virtudes na condução dos negócios.
“É preciso combater a economia que envolva negócios que visam o lucro a todo custo, o que é uma catástrofe. É preciso, também, ir além da realidade de seu país ou região, para entender a globalização. Se as escolas formarem profissionais com esses focos, já estarão fazendo um grande trabalho”, finalizou Wolf.