A reorganização das cadeias produtivas, acelerada por eventos como as mudanças climáticas e a guerra da Ucrânia, coloca o Brasil em uma posição interessante para investimentos. “Começamos a ver um arrefecimento das cadeias globais de suprimentos. Esse modelo começa nos anos 80, tem um pico nos 90, até o primeiro abalo em 2008 e depois com a pandemia, quando o preço de frete marítimo disparou e gerou efeitos na inflação. Junto às tensões comerciais entre China e EUA, a guerra da Ucrânia maximizou dois problemas: segurança energética e segurança alimentar. Uma premissa é que as fábricas (migradas para a Ásia na globalização) não voltarão para a Europa ou EUA, onde os custos de produção ainda são mais altos. Precisam estar em algum lugar no centro da transição energética, que se antecipa, e em fronteiras seguras e distantes de conflitos”, descreveu Gilmar Melo Mendes, doutor em Economia e professor associado da FDC, na apresentação do Cenário Macroeconômico Global e Brasil 2025, estudo anual realizado pelo Centro de Inteligência das Médias Empresas da FDC para apoio ao planejamento das empresas.
Na edição anterior do estudo, a FDC foi a instituição com a projeção mais precisa do crescimento do PIB neste ano. Em 2025, a previsão é do mesmo índice, mas com uma composição diferente. “Fomos uma das poucas instituições a dizer que PIB seria de pelo menos 2,5%. Nesse resultado, cerca de 60% se deve ao consumo e o Banco Central olhou isso. No próximo ano, o motor do investimento terá mais peso”, prevê.
A taxa de juros ainda pode chegar a 11% e 10,75% em 2025, com possibilidade de baixa no segundo semestre. “Essa taxa ainda é necessária. Os juros arrefecem o consumo e por isso a importância do fluxo de capitais no PIB de 2025”, destaca Melo Mendes. Ele reconhece que setores dependentes de financiamento, e portanto sensíveis às taxas de juros, devem sofrer. Contudo, com a inadimplência sob controle (5,5% no total e 3% entre PJs), o crédito livre tende a aumentar, mesmo com um custo mais alto.
O câmbio deve ficar em R$ 5,40. Na pauta de comércio exterior, o relativamente baixo crescimento da China, que representa quase 30% das exportações, é preocupante. Mas o impacto se atenua por outros fatores. “Mesmo um índice entre 4,5% e 5% é alto, pela grandeza do PIB chinês. E cresce o PIB per capita, o que faz com que os consumidores se alimentem mais e melhor. Além das commodities agrícolas, o minério poderia sofrer com os problemas no mercado imobiliário. Mas a China mantém a siderurgia e é inclusive acusada, no mercado do aço, e em outros mercados de exportar deflação”, pondera.
Transição energética e segurança alimentar destacam Nordeste e Centro-Oeste
As condições naturais e a diversificação na matriz energética no Nordeste tornam a região atraente para as iniciativas relacionadas a produção de energia limpa, neoindustrialização e desenvolvimento de novas cadeias produtivas. A produção de alimentos no Centro-Oeste – com um aumento de produção até 2028 de 41% contra 15% da média mundial – é outro foco de investimentos. “As duas regiões vão ter o maior crescimento nos próximos oito anos”, avalia o professor. “Isso já está acontecendo. A maior usina de hidrogênio verde está em construção no Piauí, com energia solar. Vários estados do Nordeste se preparam para transição energética”, constata. Ele acrescenta que hoje se importam itens como infraestrutura de usinas eólicas, mas a intensificação deve atrair as cadeias produtivas, gerando mais atividade industrial.
Além dos avanços estruturais, como reforma tributária, o professor enfatiza a importância de regulações setoriais e da legislação ordinária. “É importante pensar em reformas infraconstitucionais, porque são elas que direcionam investimentos. Medidas como a regulação do hidrogênio verde e do mercado de carbono são essenciais”, exemplifica.
Dever de casa e estratégia de inserção
Apesar de ainda não ter recuperado o “nível de investimento”, os índices de confiança estão próximos aos que já nos proporcionaram essa avaliação. Mas a questão fiscal continua a requerer cuidado. “O Governo diz que zera o déficit primário em 2024 e 2025. O mercado acha que não. Mas se o Congresso não tem deixado mexer no arcabouço fiscal, o déficit já está projetado e precificado. Não zera agora, mas tende a reduzir”, avalia Mendes.
“Se combinarmos riscos mais baixos, apresentar disciplina fiscal, arrefecimento de juros e reformas infraconstitucionais, vai se ter uma aceleração do investimento. Depende de fazermos o dever de casa”, adverte.
Em uma perspectiva histórica e estratégica, o professor lembra que entre 1947 e 1979, o Brasil crescia em média 7,2 % ao ano, com picos acima de 10%. A partir da década de 80, ficou em 2,2%. “No primeiro padrão, nos industrializamos com crédito externo barato e estado grande. Mas algumas mudanças ocorreram e o Brasil não se inseriu”, afirma.
Ele explica que a unificação da União Europeia padronizou o jogo em torno de regras derivadas do Consenso de Washington. “Em países como a Coreia do Sul, desarmaram a equação de estado grande. O Brasil não teve força interna nem estímulo externo para esse movimento”, compara. Assista à íntegra da apresentação dos dados e comentários do professor Gilmar Melo Mendes e baixe o e-book gratuito Cenário Macroeconômico Global e Brasil 2025.