Reportagem publicada no jornal Le Monde destaca as vantagens da carne cultivada para o meio ambiente e condena os críticos desse tipo de alimento, afirmando que querem “manter o status quo de nossas dietas”, a despeito dos prejuízos que a dependência do gado causa ao planeta. O raciocínio foi exposto em um fórum promovido pelo jornal francês, que reuniu 15 acadêmicos, entre eles a filósofa Florence Burgat e a geneticista Marie-Claude Marsolier.

Os acadêmicos argumentaram que “as preocupações legítimas sobre a carne convencional são continuamente ignoradas no nível político”. “Ao falar sobre carne cultivada, não devemos perder de vista o quão insustentável é o nosso consumo atual e a necessidade de buscar alternativas”, publicou o jornal.

A reportagem admite que há muitas exigências em torno da carne cultivada e ainda há poucos dados a respeito de seu desenvolvimento. No entanto, as críticas não deveriam encobrir os benefícios que a carne de laboratório pode trazer ao meio ambiente. “Embora as críticas sejam sólidas, é lamentável que às vezes sejam baseadas em dados parciais, desatualizados ou apresentados de forma desonesta”, defenderam os pesquisadores na matéria. E acrescentaram: “há um sólido consenso na comunidade científica sobre a necessidade de reduzir a produção de carne convencional”.

Produção em laboratório, sem abate

A carne cultivada, carne de laboratório ou carne artificial é a carne produzida em laboratório por meio de técnicas de bioengenharia – sem abate, segundo definição do site eCycle,. Dessa forma, ela é produzida a partir de células animais, com a retirada indolor de uma amostra de tecido muscular. Em seguida, a amostra é transformada em massas de células e isso é feito tanto com vacas quanto com galinhas, coelhos, patos, camarões e até peixes.

carne sem abate

A defesa da carne cultivada não está apenas no respeito à vida animal, conforme reivindicam instituições como a Mercy for Animals. “As alternativas à pecuária são importantes aliadas ao meio ambiente e a um mundo sustentável, hoje e no futuro”, pontua a entidade. 

Demanda de carne aumentará em dois terços

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) estima que a demanda por carne deve aumentar em mais de dois terços nos próximos 40 anos. A pecuária tem evoluído na sustentabilidade do seu processo produtivo e será importante para suprir essa demanda, mas não dará conta do recado sozinha, motivo pelo qual a carne cultivada tem, e terá cada vez mais, o seu espaço no mercado.

Brasil deve ter carne cultivada em 2024

O desenvolvimento da carne cultivada é recente. Em 2013, Mark Post, professor da Universidade de Maastricht, na Holanda, apresentou o primeiro “hambúrguer de laboratório”, produzido a partir da reprodução de células-tronco bovinas. Deste então, as iniciativas aumentaram e, em 2018, a Food And Drug Administration, dos EUA, estabeleceu um marco regulatório e abriu caminho para a comercialização desses produtos.

O Brasil, segundo reportagem da Folha de S.Paulo, deve começar a produzir e comercializar carne cultivada em 2024. A informação foi dada por Raquel Casseli, diretora de engajamento corporativo do The Good Food Institute (GFI), organização sem fins lucrativos que financia projetos e pesquisas e envolve empreendedores que buscam a regulamentação desse mercado no país.

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O lado B da produção em laboratório

Apesar das vantagens ambientais sobre a indústria pecuária, a carne cultivada tem um lado B. Segundo a reportagem do eCycle, os animais têm um sistema imunológico que os protege naturalmente contra infecções bacterianas. Este não é o caso da cultura de células e, em um ambiente rico em nutrientes, as bactérias se multiplicam muito mais rápido do que as células animais. 

Para evitar a produção de carne cultivada com mais bactérias do que a carne animal, é preciso evitar a contaminação – e isso requer um alto nível de esterilidade. Na indústria farmacêutica, as culturas de células são realizadas em “salas limpas” altamente controladas e higienizadas. A esterilidade é garantida pelo uso de materiais plásticos descartáveis, grandes inimigos do meio ambiente.