Escolher entre um modelo de autogestão ou de controle hierárquico não é tão simples e envolve assimetrias de responsabilidades. Na prática, as variáveis, principalmente levando em conta cada setor de atuação, precisam ser consideradas e e essa foi uma das descobertas do estudo Assimetrias de responsabilidade em organizações autogerenciáveis: autoridade compartilhada ou controles hierárquicos.
Com base em entrevistas com 18 gerentes e 38 funcionários, os professores Joona Koistinen e Johanna Vuori, da Haaga-Helia Universidade de Ciências Aplicadas, da Finlândia, estudaram a trajetória de cinco companhias que decidiram adotar modelos pós-burocráticos. “Nossos resultados revelaram uma assimetria de responsabilidade – ou seja, as ideias gerenciais e os ideais de responsabilidade eram bastante diferentes e, às vezes, antagônicos às responsabilidades vivenciadas por funcionários e profissionais”, afirmam os autores do relatório.
Os pesquisadores agruparam a percepção de “responsabilidade” em quatro categorias de interesses: organizacional, institucional, coordenação e indivíduo/trabalho.
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Em grande parte dos casos, a noção de qualidade by design – com testes e controles permeando cada microprocesso e tarefas individuais em uma abordagem de autogerenciamento – se confunde com um “pensamento mágico” nos níveis operacionais. “Os funcionários pareciam ter a ideia de que, desde que assumissem a responsabilidade por seu próprio trabalho, coisas boas aconteceriam para a empresa. Alguns funcionários mencionaram conceitos abstratos relacionados ao interesse organizacional, mas não se preocuparam em avaliar e controlar esses objetivos como os gerentes. Em vez disso, presumiram que o trabalho de boa qualidade de sua parte se alinharia com esses interesses”, citam os pesquisadores.
O senso de responsabilidade da maioria dos participantes em nível gerencial foi orientado principalmente para o interesse organizacional. Em suma, avaliaram que o papel fundamental de um supervisor é ser “responsável pelos lucros”.
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No que se refere a interesses institucionais, os gerentes ainda costumam receber mais responsabilidade formal. “No mundo da equipe de saúde, por exemplo, a premissa de que o profissional deve ‘fazer o melhor na sua função’ simplesmente não funciona”, afirma um gerente da Caringly. “De qualquer forma, se houver erros cometidos em nossa equipe, serei eu o responsável, não o especialista individual”, diz um gerente da Machinex.
O envolvimento com os interesses de coordenação, definidos pela atenção a interdependências e workflow, aumenta no empregado conforme a exposição a clientes. “Nossa análise aponta para fatores estruturais e relacionados à identidade da organização para explicar essas diferenças gritantes na identificação”, concluem os pesquisadores.
Os gerentes observam os riscos dos modelos descentralizados em momentos mais críticos, quando decisões envolvem consequências complexas. Em contrapartida, reconhecem lacunas em instrumentalizar os funcionários para deliberar de forma autônoma. “Muitas vezes, falta uma compreensão holística sobre o que é bom ou ruim para toda a empresa, porque não se tem todas as informações à disposição”, aponta um gerente da Panorama (empresa de publicidade).
Transição diversificada e não linear para o autogerenciamento
A amostragem do estudo envolveu companhias de setores diferentes. A Solvio, uma consultoria de TI com mais de 500 funcionários, se dizia autogestionária desde sua criação, há duas décadas, e ainda aderia profundamente às ideias de organização plana, enquanto a Machinex, uma divisão de uma grande empresa industrial, ainda estava na fase de planejamento da mudança para a autogestão.
A Wave (uma unidade de negócios de uma grande empresa de telecomunicações), bem como a Panorama (publicidade), já haviam introduzido iniciativas e planos concretos para promover a autogestão em suas empresas. A Caringly, um grande provedor de serviços domiciliares e de saúde, teve experiências negativas com a autogestão e, recentemente, reintroduziu estruturas organizacionais hierárquicas.
No caso da Caringly, a distribuição da responsabilidade pela regulamentação institucional e pela lucratividade da empresa mostrou-se problemática. A empresa retomou estruturas hierárquicas formais depois que tais preocupações eclodiram com uma tentativa inicial bastante ambiciosa de autogestão. Os gerentes da Caringly, portanto, viram as possibilidades de autogestão como bastante limitadas.
Da mesma forma, a Machinex nunca conseguiu dar passos importantes em direção ao autogerenciamento durante nossa pesquisa, embora tenha tomado uma decisão inicial sobre a implementação da autogestão.
Wave e Panorama não reverteram formalmente para as estruturas organizacionais anteriores às suas intervenções de mudança, mas mantiveram muitos resíduos formais de controle hierárquico.
“O ideal de liderança libertadora promete criar ambientes de trabalho que se baseiam na automotivação dos funcionários, no desejo de igualdade e propriedade e na necessidade de crescer. No entanto, esse tipo de liderança pode causar efeitos paradoxais em vez de libertação, aumentando os níveis de pressão social e estresse entre os funcionários”, ponderam os pesquisadores.