Segundo a FAO (Organização para Agricultura e Alimentação), até 2050 a produção de alimentos tem que aumentar 70% para abastecer 2,3 bilhões de pessoas acrescentadas à população mundial. Embora a expansão de lavouras e as tecnologias das últimas oito décadas tenham feito a produção de cereais aumentar 3,3 vezes, contra um crescimento demográfico de 2,5, as condições para manter essa estratégia não apenas se esgotaram pelos problemas que geram, como também não endereçam os novos problemas a se resolver.
“Há pessoas que culpam a agricultura por emissões de carbono, consumo de água e energia e degradação ambiental. A agricultura pode ser a solução, com energia limpa, infraestrutura verde e solo orgânico”, afirmou o Dr. Rattan Lal, Prêmio Nobel da Paz e professor da Universidade Estadual de Ohio, na palestra “Gestão do solo, da água e do carbono para abordar questões globais do século XXI”, realizada no evento “O futuro da agricultura e suas relações com solo, água e carbono”, promovido pela FDC Agroambiental Global em parceria com o IICA (Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura).
“Olhamos hoje a captura e retenção terrestre de carbono; a proteção da biodiversidade como forma de resiliência; a restauração da qualidade do solo; e uma parte muito importante é a transferência de conhecimento e tecnologia para pequenos produtores”, mencionou a Dra. Ludmilla Rattis, professora associada da FDC, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambientam da Amazônia (IPAM) e do Woodwell Climate Research Center.
Reconhecido como o maior especialista em solo, Lal traçou um panorama histórico, com os aspectos científicos, econômicos e soluções para os atuais desafios. A professora trouxe dados que dimensionam a relação da cobertura florestal e das mudanças climáticas com as quebras de safras, e também apontou cenários.
O legado da Revolução Verde e o esgotamento dos paradigmas
“O Milagre do Cerrado foi o desenvolvimento mais importante da história recente da agricultura”, reconhece Lal. Ele menciona que o salto do período entre 1961 e 2021, quando as exportações brasileiras saltaram de 237 milhões de toneladas para 2.281 milhões, como um resultado ilustrativo da ‘Revolução Verde’, ou Agricultura 3.0, focada em sementes melhoradas, fertilizantes, pesticidas e irrigação. Ele informa que 40% dos alimentos no mundo provêm dos 17% de áreas irrigadas. “Mas a Revolução Verde tem problemas. A natureza não perdoa e tudo tem um preço”, pondera.
Uma das contrapartidas ao ganhos de produção foi a liberação de um percentual entre 25% e 75% do carbono armazenado no solo para a atmosfera. Outra distorção é a produção centrada em arroz, soja e milho. “Todas as demais culturas nativas foram ignoradas”, diz. Como consequência, cerca de 3 bilhões de pessoas estão livres da fome, mas têm carência nutricional.
Segundo dados do especialista, em 30 países estima-se que a área de terras cultiváveis diminua até 2050, em um cenário agravado pela degradação do solo e mudanças no regime de chuvas e temperatura. “Se cogita que a savana africana seria um espaço de expansão, por condições semelhantes ao Cerrado”, menciona.
Parte das respostas para esses desafios vêm da transformação digital. A chamada Agricultura 4.0 traz ferramentas como sensoriamento, geolocalização, robótica e várias tecnologias para a Agricultura de Precisão. Com o uso de dados em tempo real, inteligência artificial (IA) e automação, é possível granularizar a aplicação de pesticidas, fertilizantes e água; monitorar o solo em cada talhão; e outras otimizações. “É isso que Brasil tem que fazer, produzir mais com menos – menos área, menos água, menos pesticidas, menos emissões”, resume.
“Transformar a agricultura em solução (para os problemas climáticos) tem custo. Isso não é uma demanda do setor ou do mercado. É demanda da sociedade”, enfatiza o cientista. Ele estima a necessidade de um investimento de US$ 100 bilhões por ano para remunerar as ações de captura de carbono. “E 70% devem ser direcionados a pequenos agricultores”, destaca.
“Agricultura com biofertilizantes e práticas regenerativas pode ser a chave para resolver muitos dos problemas que já enfrentamos hoje”, acrescenta.
Desmatamento torna quebras de safras recorrentes
A partir de uma variável conhecida como Déficit de Pressão de Vapor (VPD, que dimensiona a “sede” do ar), a Dra. Ludmilla Rattis quantificou os efeitos do aumento de temperatura e redução de umidade na produtividade agrícola.
O impacto ao aumento de VPD depende da região e da cultura. No Cerrado, chega-se a perder 994 kg por hectare de milho a cada quilopascal (kPa, uma variação mínima de pressão) de VPD em anos em que haja El Niño. No Mato Grosso, em ano sem El Niño, 1 kPa a mais no VPD implica redução de 48 kg de soja por hectare e 152 kg em anos de El Niño. No milho, dá perda de 13 kg em ano normal e 825 kg se houver El Niño.
“Observamos aumento de VPD em toda região e a principal causa é o desmatamento”, afirma a pesquisadora. Ela é autora do primeiro capítulo de um livro que a FAO a lançará no próximo ano, sobre benefícios do reflorestamento para agricultura.
Na região estudada, nos estados de Mato Grosso e Pará, 30% das fazendas já estavam fora do ideal climático em 2019. “Isso não quer dizer que elas ficaram improdutivas. O que se tem é mais quebras de safras”, esclarece a professora. Ela estima que no final da década haja 50% das fazendas fora do ideal climático e 70% até 2050.
Em relação à percepção dos fazendeiros, 33% apontam oscilação de regime de chuvas como entrave para aumentar produção. Enquanto 13% relacionam isso diretamente ao desmatamento e 11% ao aquecimento global, 39% atribuem a ciclos naturais. “Isso é puro negacionismo. Falam de memórias do avô e do pai sobre quebras de safra. Mas hoje acontece com muito mais frequência”, afirma a professora. “Na estratégia de adaptação, 28,7% fazem ajustes de cronogramas e o que preocupa é que 12% não sabem como lidar”, acrescenta.
Segundo a pesquisadora, nos municípios em áreas de intensa produção de soja (não são granularizados os dados por fazenda), a produtividade responde à proporção de floresta. Pela modelagem, abaixo de 18% de floresta a produtividade da soja cai. Em ano de El Niño, isso acontece quando a cobertura fica inferior a 30%. “Quase 90% da agricultura é de sequeiro (não irrigada) e as florestas mitigam as ondas de calor”, explica.