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A tecno-utopia das Organizações Autônomas Descentralizadas 

Professor da área de Estratégia da FDC, Douglas Wegner, explica as DAOs e como elas podem ocupar o espaço de organizações tradicionais

daos © - Shutterstock

Autores

Douglas Wegner

Professor da área de Estratégia da FDC

Imagine uma empresa de propriedade coletiva, em que não existem hierarquias nem líderes instituídos. As regras de operação dessa empresa são completamente transparentes para os participantes e as decisões são tomadas coletivamente por todos os que investiram no empreendimento. Cada decisão fica registrada publicamente e pode ser acompanhada pelos interessados. Essa é a proposta das Organizações Autônomas Descentralizadas, mais conhecidas pela sigla DAO, ou Decentralized Autonomous Organizations.  

As DAOs estão facilitando a cooperação humana em larga escala por meio de organizações de propriedade coletiva, que operam para alcançar uma missão compartilhada por seus membros e são apoiadas por smart contracts e tecnologia blockchain. As regras de funcionamento estão definidas em códigos de programação e só podem ser alteradas por meio de aprovações do grupo. Não há um líder instituído ou um CEO que define o que deve ser feito e quais os rumos da organização. A transparência dos processos, por meio de registros públicos, faz com que os participantes que investem recursos não corram o risco de oportunismo ou má-fé dos demais.  

Em síntese, uma DAO é a materialização de uma tecno-utopia que torna possível a colaboração em larga escala por meio de propriedade coletiva entre pessoas que não se conhecem, mas têm um objetivo comum.  Enquanto as organizações tradicionais são baseadas em algum nível de hierarquia e os shareholders delegam o poder de decisão a executivos, a DAO promete decisões coletivas e total transparência de todas as regras, em registros públicos. 

Funcionamento das DAOs 

daos
© – Shutterstock

No atual estágio, as DAOs funcionam como comunidades de usuários, times ou projetos que usam tecnologia blockchain para coordenar suas atividades e se organizar de forma descentralizada, autônoma e transparente.  

Uma DAO poderia ser criada, por exemplo, para arrecadar fundos para projetos assistenciais ou obras de caridade. Pessoas de qualquer lugar do mundo poderiam realizar doações e se tornar aptas a votar para definir as causas ou projetos que seriam apoiadas pelos recursos arrecadados. O smart contract então direcionaria automaticamente o recurso aos projetos definidos. De maneira semelhante, uma DAO poderia captar fundos de venture capital e reunir investidores interessados em apoiar novos negócios. Os valores recebidos com os exits serviriam para remunerar o capital dos membros. As regras do smart contract garantem que uma ação seja executada sempre que uma determinada condição seja alcançada, portanto sem a necessidade de intervenção de um gestor ou responsável. 

O que torna as DAOs diferentes das organizações tradicionais é o fato de serem baseadas em smart contracts publicados em uma rede blockchain e que somente podem ser alterados por votação dos próprios membros. Ou seja, os recursos da DAO somente podem ser utilizados se houver votação dos membros, por meio de decisões coletivas. Além disso, as próprias regras da DAO não podem ser alteradas a menos que essa seja a vontade da maioria, e todo o processo precisa ser transparente e registrado em blockchain. Isso significa que não há necessidade de uma autoridade central.  

Um caso frequentemente citado de DAO é a City DAO. Ela reúne mais de 5.000 cidadãos de diversas partes do mundo que, juntos, compraram 16,2 hectares de terra em Clark – Wyoming (EUA). Os participantes são, na verdade, detentores de tokens que lhes dão o direito de participar de decisões sobre quais projetos serão implementados no terreno, com base em um objetivo comum definido no lançamento da DAO.  Ou seja, o bem físico adquirido coletivamente foi transformado em tokens que pertencem aos participantes, mas eles não detêm uma parte específica da área de terras comprada.  

Críticas e dúvidas sobre o futuro das DAOS 

Corporações gerenciadas por executivos precisam encontrar os incentivos certos para garantir que os representantes tomem decisões que atendam aos interesses dos investidores, e precisam de controles e auditorias para monitorar essas ações. As DAOs prometem eliminar esses problemas à medida que se baseiam em total transparência, registros públicos em blockchain e votação dos membros. No entanto, a execução pode ser complexa em função da ineficiência típica de modelos democráticos.  

Na prática, pode ser necessário eleger representantes para ganhar eficiência. Como acontece em uma democracia representativa, os membros que possuem tokens podem delegar seu voto a outros que se candidatam ao posto e se comprometem a cumprir as regras. Em outros modelos de DAOs as decisões são por maioria e as propostas são aprovadas quando alcançam a maioria dos votos dos membros. Uma terceira forma de governança é chamada de “multisig governance”, em que os fundos ficam em uma carteira controlada por alguns membros da comunidade (com identidade pública) e que votam para tomar decisões. Com exceção do segundo modelo, nos outros dois há riscos de que a DAO não avance na direção desejada pela maioria, ainda que a transparência das decisões minimize esse risco.  

Ainda há dúvidas se as DAOs poderão mesmo atuar em projetos e mercados ocupados por organizações tradicionais. As estruturas de governança corporativa evoluíram ao longo de décadas para otimizar os processos decisórios e gerar valor para os acionistas. Para competir com esse modelo, as DAOs precisam combinar a transparência e rastreabilidade das operações com eficiência decisória. No entanto, já é possível visualizar as DAOs como formas de viabilizar a propriedade compartilhada de ativos virtuais ou físicos, como no caso da DAO City. Isso viabiliza, por exemplo, que comunidades de indivíduos que sequer se conhecem consigam se articular coletivamente e decidir em conjunto como alcançar objetivos comuns. O tempo dirá qual o impacto efetivo das DAOs para o mundo das organizações.  

daos
Douglas Wegner

* Douglas Wegner é professor da área de Estratégia FDC




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