Estudar apenas um capítulo de um livro é útil, desde que não se tenha a pretensão de entender toda a teoria do autor a partir de uma única subdisciplina. Para o professor Heitor Coutinho, especialista em Estratégia, Mudança Organizacional e Gestão de Projetos da Fundação Dom Cabral (FDC), a metáfora representa a ideia de reduzir conceitos amplos a apenas um dos aspectos que o compõem, e esse é um dos equívocos mais comuns que comprometem o ponto de partida das discussões sobre “estratégia”.
A partir de sua interlocução com profissionais e líderes em diversos tipos de organização, Coutinho elenca e esclarece as seis principais confusões entre “estratégia” e alguns subitens que fazem parte. Acompanhe.
1. Estratégia é planejamento?
Estratégia envolve escolhas de valor e riscos de mercado, enquanto “planejamento estratégico” se refere à execução dessas decisões. “Estratégia é a escolha de um conjunto integrado e único de valor para os stakeholders. É uma aposta que uma organização decide fazer no mercado. Isso envolve riscos, pois a visão de clientes não está no seu controle. Já o planejamento de uma nova instalação está sob o controle da empresa, e não no mercado. É você próprio que decide, controla e pretende fazer. Com o aumento da incerteza no ambiente empresarial, abordagens adaptativas tornaram-se mais eficazes do que planos previsíveis. A estratégia, portanto, é uma jornada ajustável, enquanto o planejamento se refere à execução dessa jornada.”
2. Estratégia é guerra?
Embora o termo “estratégia” tenha origens militares, no mundo empresarial nem sempre é necessário ou lógico se pautar pelos movimentos do competidor. “Nesse sentido, estratégia também não é ser melhor do que a concorrência. Esse enfoque combativo tende a levar as empresas à convergência competitiva. Ou seja, todos adquirem as melhores práticas e se tornam iguais. No mundo dos negócios, eu preciso ser diferente de uma forma que os clientes deem valor.”
3. Estratégia é crescimento?
Nem todas as estratégias visam expandir o faturamento da empresa. A estratégia pode focar na contenção, estabilidade ou reinvenção, dependendo do contexto e das necessidades. “O crescimento pode ocorrer sem uma estratégia, como no caso de expansão natural devido ao aumento populacional. O crescimento é apenas um indicador dentro de uma variação estratégica, e a verdadeira essência da estratégia é a escolha de um valor no mercado.”
4. Estratégia é para longo prazo?
Empresas ambidestras, que equilibram desempenho imediato com inovações futuras, são mais capazes de atingir os objetivos, com adaptação às mudanças. “A agilidade estratégica depende desse tipo de abordagem ambidestra. Tratar estrategicamente o nosso futuro significa também pensar sobre o que pode estar próximo. A estratégia limitada ao longo prazo pode produzir cegueira e obstruir a agilidade organizacional.”
5. Estratégia é atribuição da diretoria?
Organizações que adotam uma abordagem aberta e colaborativa no processo estratégico têm maior consistência e uma execução mais eficaz. “Por mais participativa que seja a diretoria nas questões diárias, que envolvem as relações externas e a operação dos negócios, existe muito conhecimento básico na média direção e em funções especializadas, que têm alta relevância estratégica. O ambiente competitivo e as estruturas internas configuram uma realidade complexa, de muita ambiguidade. Não é possível o domínio de todas as variáveis estratégicas ser realizado por um reduzido grupo de pessoas, por mais competentes que sejam.”
6. Estratégia deve ser simples?
Embora a comunicação da estratégia deva ser clara e direta, o mito de que a estratégia deve ser simples, para ser facilmente implementada, ignora a complexidade inerente ao processo. “Precisamos acolher a complexidade da reflexão, do pensamento e da análise crítica para que nossas organizações possam sobreviver e prosperar. Já a comunicação pode e deve ser simples. Após um trabalho exaustivo de formulação de uma estratégia, é factível criar narrativas e apresentações de uma página que sintetizam todas as definições em alto nível de atração.”
Em uma exposição de menos de meia hora, o professor Heitor Coutinho aprofunda cada um desses mitos, esclarece os motivos de ideias equivocadas e aponta alguns caminhos de superação.
Ouça a íntegra das críticas e recomendações sobre os seis mitos da estratégia: